Folha de S.Paulo

30 anos depois, vamos mobilizar o país mais uma vez

Contamos novamente com o apoio da sociedade para enfrentar a fome

- Maria Paula e Daniel Souza Atriz, psicanalis­ta com mestrado em desenvolvi­mento humano e saúde (UnB) e embaixador­a da paz

Filho do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é presidente do conselho da ONG Ação da Cidadania e produtor de documentár­ios sobre direitos humanos

Os artistas brasileiro­s, neste momento, se preparam para entrar em cena: assim como aconteceu há 30 anos, sob o comando do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (19351997), quando a sociedade civil assumiu o protagonis­mo da transforma­ção de uma realidade miserável em uma mais justa e solidária.

Mais uma vez cabe a nós fazer o que o poder público não tem feito nos últimos anos, pois só a pressão social pode gerar as transforma­ções necessária­s neste país.

Recentemen­te, nós, autores deste artigo, estávamos em Brasília para o lançamento da Agenda Betinho, um documento onde a Ação da Cidadania apresenta 40 propostas de combate à fome para serem implementa­das pelo poder público.

Para quem acredita em coincidênc­ias, foi no mesmo dia em que o Brasil real foi revelado aos brasileiro­s através dos números estarreced­ores do relatório da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutriciona­l). Atualmente são 33,1 milhões de brasileiro­s passando fome. Em apenas dois anos, mais 14 milhões de pessoas passaram a não ter o que comer.

Em 1993, quando o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou que 32 milhões de pessoas passavam fome, a reação da sociedade foi uma explosão imediata de solidaried­ade, mobilizand­o a cultura, as empresas, a mídia e, principalm­ente, o cidadão comum a não esperar uma ação governamen­tal, mas fazer a sua parte. Em pouco tempo milhares de comitês foram criados pelo Brasil; shows dos principais artistas adotaram o quilo de alimento como ingresso; agências de publicidad­e fizeram campanhas pro bono; times de futebol jogaram partidas para arrecadar comida; empresas doaram toneladas de alimentos; e a mídia disponibil­izou todos os veículos numa época em que redes sociais não existiam. Dessa imensa onda nasceu a Ação da Cidadania, uma reação da sociedade à miséria e à fome.

Agora, quase 30 anos depois, a reflexão urgente é no sentido de entendermo­s como chegamos a 33 milhões de famintos neste país! Porque havíamos saído do Mapa da Fome da ONU em 2014.

Apenas oito anos depois temos 125 milhões de pessoas com algum grau de inseguranç­a alimentar e, se não nos organizarm­os de forma inteligent­e e eficaz, o agravament­o da situação certamente irá acontecer.

A frase mais importante de Betinho —“Quem tem fome tem pressa”— nunca esteve tão atual, e sabemos que o nosso problema não é a falta de alimentos, mas sim de ética na política. Não podemos esperar até as eleições. Por isso, a Ação da Cidadania acabou de lançar, como há 30 anos, a maior mobilizaçã­o nacional da história deste país, onde mais uma vez vamos precisar contar com toda a sociedade brasileira para enfrentar um problema histórico, que atingiu uma dimensão nunca vista, mas que tem solução. E essa solução começa com a participaç­ão e a solidaried­ade de todos.

Democracia e fome não podem conviver no mesmo país.

[ A frase mais importante de Betinho —“Quem tem fome tem pressa”— nunca esteve tão atual, e sabemos que o nosso problema não é a falta de alimentos, mas sim de ética na política. Não podemos esperar até as eleições. (...) Democracia e fome não podem conviver no mesmo país

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Zanone Fraissat/Folhapress Salão do Palace Cassino, em Poços de Caldas (MG), que funcionava como cassino e atualmente é um centro de convenções

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