Folha de S.Paulo

Pastor e ex-MEC estiveram 10 vezes no mesmo hotel, diz PF

Investigaç­ão mostra 64 hospedagen­s de pastores no local, usado como QG para negociaçõe­s de verbas com prefeitos

- Paulo Saldaña e Fabio Serapião

BRASÍLIA A Polícia Federal confirmou 63 hospedagen­s do pastor Arilton Moura e uma do pastor Gilmar Santos em um hotel de Brasília usado por eles como QG para negociaçõe­s de verbas federais com prefeitos. Em dez dessas vezes, Arilton se hospedou nas mesmas datas em que Luciano de Freitas Musse, ex-assessor do MEC (Ministério da Educação), estava no local.

Como a Folha revelou em março, os pastores —próximos do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro Milton Ribeiro— usavam o hotel Grand Bittar para receber prefeitos e assessores e negociar liberação de recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação). Eles nunca tiveram cargo no governo.

A reportagem indicou que funcionári­os do MEC também circulavam com grande frequência no local. O que também foi confirmado pela PF.

Ribeiro foi preso na quarta (22) e solto no dia seguinte por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. As investigaç­ões de um balcão de negócios no MEC miram também Gilmar Santos, Arilton Moura, Luciano de Freitas Musse e Helder Bartolomeu, genro de Arilton. Há suspeita de interferên­cia de Bolsonaro na investigaç­ão.

A presença mais recorrente no hotel era a de Arilton Moura. Ele se hospedou 10 vezes em 2020, outras 38 em 2021 e, neste ano, esteve em 10 oportunida­des no local.

A última vez que Arilton fez chek-in no hotel foi em 21 de março. É o mesmo dia em que a Folha revelou áudio em que o ex-ministro diz que priorizava pedidos do pastor Gilmar e que isso ocorria a partir de pedido de Bolsonaro.

Ele fez check-out no dia 23 de março e, segundo os registros colhidos pela PF, não voltou mais ao local.

Em março, dois funcionári­os relataram à reportagem que o pastor Arilton chegou a exibir uma barra de ouro no restaurant­e do hotel —isso teria ocorrido em meados de 2021.

Há registro de apenas uma estadia do pastor Gilmar, em 9 de setembro de 2021. Mas os relatos de prefeitos, assessores e funcionári­os do hotel indicam que ele circulava com assiduidad­e pelo lobby e restaurant­e do mezanino.

Já o ex-assessor do MEC Luciano Musse hospedou-se 29 vezes no Grand Bittar. Foram 24 em 2021 e 5 neste ano.

A PF ressalta as datas coincident­es em que Musse e Arilton hospedaram-se ao mesmo tempo. Das dez vezes que isso ocorreu entre 2021 e 2022, em sete delas Musse já estava no cargo de gerente de projetos da secretaria-executiva do MEC.

Ele foi nomeado em 6 de abril e só foi exonerado em 29 de março, um dia depois que Milton Ribeiro se desligou do cargo. Antes de entrar para o MEC, integrava comitiva dos religiosos e esteve em ao menos três encontros oficiais com Milton Ribeiro.

Musse foi para o MEC depois que a pasta não conseguiu nomear o pastor Arilton Moura. O atual ministro da Educação, Victor Godoy Veiga, é quem tocou os trâmites.

“Luciano, no contexto investigat­ivo até aqui delineado, atuando juntamente com o pastor Arilton, é personagem importante no suposto esquema de cooptação de prefeitos para angariar vantagens pessoais através do direcionam­ento ou desvio de recursos do FNDE/MEC a pretexto de atender políticos/prefeitura­s”, diz a PF no inquérito.

A pedido de Arilton, Musse recebeu R$ 20 mil nas tratativas para realizar um evento com Milton Ribeiro em uma cidade do interior de São Paulo. Os investigad­ores confirmara­m declaração do prefeito de Jaupaci (GO), Laerte Dourado (PP), de que Musse fez o convite para o encontro com pastores no hotel Grand Bittar.

Relatos de reuniões com prefeitos no hotel, seguidas de encontros com Milton Ribeiro, coincidem com as estadias. Tanto Luciano quanto Arilton estavam hospedados em 5 de janeiro deste ano, quando o prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), gravou um vídeo com o agora exministro direto do apartament­o dele, na Asa Norte de Brasília. Calvet encontrou-se com os pastores no hotel, segundo relatos —o que ele negou à reportagem.

Em 15 de abril do ano passado, os pastores participar­am de evento no MEC, em posição de destaque ao lado do ministro e, no mesmo dia, negociaram obras de educação com gestores no Grand Bittar e no restaurant­e Tia Zélia. É nesta data que teria havido o pedido de propina em ouro relatado pelo prefeito Gilberto Braga, de Luis Domingues (MA).

Tanto Arilton quanto Musse estavam hospedados no Grand Bittar nessa época. Luciano, entre os dias 12 e 16 daquele mês; Arilton, de 13 a 16.

No dia em que foi preso, Arilton disse a uma advogada que vai “destruir todo mundo” caso aconteça algo com sua “menininha” —o que parece ser relacionad­o à mulher dele. O diálogo foi colhido pela PF por intercepta­ção telefônica.

A Folha não conseguiu falar com a defesa dos pastores e com o ex-assessor do MEC neste fim de semana. A defesa de Bolsonaro nega qualquer interferên­cia.

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Paulo Saldaña/Folhapress Hotel Grand Bittar, em Brasília, usado como QG de pastores

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