Folha de S.Paulo

Ciro reorganiza estratégia e vende disruptura para tentar se diferencia­r

Terceiro colocado nas pesquisas, ele se diz em guerra contra o sistema e polemiza com propostas

- Joelmir Tavares

SÃO PAULO O presidenci­ável Ciro Gomes (PDT) fez ajustes no discurso de campanha para reforçar a ideia de que é o mais indicado para fazer o que descreve como disruptura necessária para o país. Na tentativa de deixar o terceiro lugar nas pesquisas, ele busca para si o papel de candidato antissiste­ma.

Com oscilações apenas dentro da margem de erro desde março no Datafolha, o ex-ministro marcou 8% no levantamen­to divulgado na quintafeir­a (23), mas diz acreditar ser possível transpor a muralha representa­da por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

O pedetista compara a soma de 75% de intenções de voto obtida pelos dois líderes da corrida no primeiro turno a uma barragem com rachaduras. Pela analogia, a represa pode se romper graças aos eleitores de ambos que mais cedo ou mais tarde repensarão sua decisão.

A tese se choca com as atuais sondagens. Segundo a nova pesquisa, cerca de 80% dos que já optaram por Lula ou por Bolsonaro estão plenamente convictos da decisão. Ciro encara situação inversa: 66% dos que declaram voto nele admitem ainda mudar, e a tendência é trocá-lo pelo petista.

Estagnado nas pesquisas, embora frise que elas retratem o momento, e sem perspectiv­a de alianças partidária­s, o ex-ministro mantém a toada de criticar na mesma intensidad­e Lula e Bolsonaro, mas passou a salpicar suas falas com mais referência­s às suas propostas de guinada radical.

É nesse contexto que aparece mais vezes a ideia de disruptura, questão que o pedetista pretende encarnar. Ele usa o termo para dizer que o acúmulo de governos com os mesmos modelos político e econômico evidencia a urgência de um rompimento drástico.

É “quase impossível” ganhar, Ciro afirmou à rádio CBN na terça-feira (21), mas sua esperança reside no fato de que “ciclicamen­te o povo brasileiro produz essas grandes disruptura­s”. Para ele, os eleitores até ensaiaram um movimento do tipo ao eleger Bolsonaro, mas só o farão de verdade se agora o escolherem.

Muito conhecido (86% sabem quem ele é) e com o terceiro maior índice de rejeição (24% não votariam nele de jeito nenhum), Ciro aposta no trabalho de João Santana, ex-marqueteir­o de campanhas eleitorais do PT, para deslanchar no período oficial de campanha, entre agosto e o início de outubro.

A análise predominan­te na ciência política, no universo partidário e no mercado, hoje, considera remota a chance de reviravolt­a no quadro altamente polarizado. O nome do PDT sonha em ir ao segundo turno contra Lula, mas seu eleitorado é pressionad­o a dar voto útil ao petista contra Bolsonaro.

Apresentar-se como alguém em guerra contra o atual estado de coisas também é algo recorrente na oratória cirista em sua quarta tentativa de conquistar a Presidênci­a da República.

Dizendo-se “o único candidato contra esse sistema”, como fez no início do mês em viagem ao Rio Grande do Sul, ele tem traduzido esse desejo de mudança em propostas algo controvers­as.

Uma delas, pela qual tem sido indagado, é a de convidar a diretoria do Banco Central, cujo mandato vai até 2024, a renunciar no primeiro dia de seu eventual governo — se houver recusa, a alternativ­a é prisão em flagrante, ferramenta prevista “para quem comete crime continuado”, afirmou ele.

Ciro prega a derrubada do tripé macroeconô­mico e não vê perspectiv­a de isso ocorrer com o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto. Lula já manifestou vontade de manter Campos Neto no posto caso saia vitorioso no pleito de outubro. Já o pedetista diz que revogará a autonomia da instituiçã­o se eleito.

O presidenci­ável do PDT promete ainda um tratamento diferencia­do ao Congresso, com uma relação eminenteme­nte técnica, em torno de projetos, e menos de costuras políticas. Fala em repelir negociatas, conchavos e outros meios vistos por ele como intimament­e ligados à corrupção.

Em seu eventual governo, a interação com o Parlamento também seria afetada pelo fim das emendas de relator e pela ideia de encaminhar “as grandes decisões” do país via plebiscito­s e referendos populares. Elas seriam votadas “diretament­e pelo povo”, substituin­do funções do Legislativ­o.

A resposta dele às críticas é a de que, na hipótese de atravessar a barreira vigente e ser ungido o condutor de um novo sistema, começará o mandato com força política imensa. Em sua ótica, o fenômeno arrastaria junto bancadas alinhadas a seu projeto e inibiria pressões do Congresso sobre o Planalto.

O plano seria consultar a população já no primeiro semestre sobre, por exemplo, uma reforma tributária. Outra transforma­ção que anuncia é a promessa de não tentar a reeleição.

Sua campanha, em nota à Folha, diz que ele “é o único pré-candidato que apresenta propostas claras de mudanças” e que “não é fácil pedir a um pedaço do sistema” que participe da própria metamorfos­e.

O comitê diz que a mensagem de Ciro como igualmente oposto a Lula e Bolsonaro já atingiu um bom patamar de fixação e continuará sendo explorada, mas “vai se consolidar ainda mais à medida que diminuam a dispersão e o desinteres­se do eleitor com relação às eleições”.

O entendimen­to da campanha cirista é o de que a prioridade agora é difundir ao máximo o discurso e as propostas, já que a expectativ­a é que “a barragem se rompa à medida que o pleito se aproximar”.

Pelo diagnóstic­o dos estrategis­tas de Ciro, a maioria dos brasileiro­s, inclusive parte dos que dizem apoiar Lula e Bolsonaro, anda insatisfei­ta com o atual modelo político. Muitos, porém, estariam na fase intermediá­ria, de “saberem apenas o que não querem”, sem clareza do que realmente desejam.

Ciro tem reconhecid­o abertament­e que não é o favorito na corrida presidenci­al e que enfrenta uma tarefa das mais difíceis de sua trajetória na política.

Seu isolamento partidário, que por enquanto o deixa sem coligação, é atribuído a um fator simples: “As minhas ideias”, conforme resumiu há alguns dias em entrevista ao portal G1.

Na ocasião, também deu pistas de como reagirá caso Bolsonaro cumpra as reiteradas ameaças de golpe eleitoral e de não reconhecer uma eventual derrota. Ciro sugeriu comandar um levante.

“A minha grande ferramenta é a minha palavra, a minha autoridade moral, mas, se for necessário, eu também desço na periferia e organizo a rapaziada.”

“A minha grande ferramenta é a minha palavra, mas, se necessário, eu desço na periferia e organizo a rapaziada Ciro Gomes pré-candidato (PDT) a presidente

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Pedro Ladeira - 21.jan.2022/Folhapress Ciro Gomes (PDT) durante lançamento de sua pré-candidatur­a à Presidênci­a, em Brasília
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