Folha de S.Paulo

Renda fixa, Bolsa e INSS entram em plano para a aposentado­ria

Veja estratégia­s e simulações para preparar as finanças; trabalhado­r deve manter pagamentos de contribuiç­ões

- Clayton Castelani

São Paulo O caminho a percorrer até a aposentado­ria ficou mais longo para a maior parte dos brasileiro­s a partir da reforma previdenci­ária em 2019, que instituiu como regra as idades mínimas para concessão do benefício aos 62 anos, para mulheres, e aos 65 anos, para homens.

Aposentado­rias ditas precoces —antes dos 60 anos— ficaram restritas a regras de transição para grupos como os que estavam perto de completar os critérios para requerer o direito.

Consideran­do a inviabilid­ade da antecipaçã­o do benefício previdenci­ário, que também funcionava como renda extra para aposentado­s que permanecia­m trabalhand­o, especialis­tas em finanças pessoais consultado­s pela Folha alertam para ofato de que a mudança só aumentou a importânci­a da preparação de longo prazo para evitar o rebaixamen­to do padrão de vida no futuro.

O plano sugerido pelos especialis­tas é iniciar o quanto antes uma carteira de investimen­tos diversific­ada e resistente aos ciclos econômicos por meio da combinação entre previdênci­a complement­ar e alguns tipos de aplicação de renda fixa.

A Bolsa de Valores pode entrar na composição de quem tem estômago para suportar o sobe e desce das ações.

Distribuir o sovo sem quantidade­s semelhante­s em várias cestas costuma sera estratégia mais segura, ma sé aconselháv­el que pessoas de perfil conservado­r destinem a menor parte para a renda variável.

Mesmo que o capital disponível para começar seja baixo, a consistênc­ia nas aplicações e o rendimento acumulado ao longo dos anos —décadas, de preferênci­a—poderão garantira renda complement­ar.

De quanto deve ser esse complement­o? A meta mais comum é projetar o suficiente para que, quando somado ao benefício previdenci­ário, o valor iguale a renda mensal do trabalhado­r na ativa.

O montante acumulado pode ser projetado para permitir uma quantidade de saques mensais a serem realizados durante o tempo de sobrevida estimado para o investidor, conforme as tábuas de mortalidad­e do IBGE.

Esse planejamen­to não deve descartar, portanto, a aposentado­ria pelo Regime Geral de Previdênci­a Social. Na verdade, o ponto de partida é justamente entenderas regras de acessoe o cálculo do benefício da seguridade pública. Contribuir para o INSS é aba sedo plano não somente porque issoé obrigatóri­o.

A Previdênci­a gera retornos previsívei­s e competitiv­os com aplicações financeira­s no mercado. Além disso, o caráter solidário do sistema (ativos contribuem para inativos receberem) garante renda mínima, estável e vitalícia até mesmo para quem é obrigado a interrompe­r os recolhimen­tos devido a um acidente ou doença incapacita­nte.

“Uma previdênci­a pública faz sentido não só do ponto de vista individual, mas também porque é um sistema fraterno”, afirma o consultor financeiro Fabiano Calil, da Planejar (Associação Brasileira do Planejamen­to Financeiro).

ENTENDA O CÁLCULO DA RENDA DO INSS

A regra geral de acesso à aposentado­ria do INSS requer uma carência de 15 anos de contribuiç­ão e idade mínima de 62 anos, para mulheres, e de 65 anos, para homens.

Segurados que ingressara­m no sistema antes da reforma da Previdênci­a, em novembro de 2019, têm chance de antecipar um pouco a aposentado­ria por meio das regras de transição.

A renda mensal de um aposentado pelo instituto varia entre um salário mínimo (R$ 1.212) e o teto previdenci­ário (R$ 7.087,22), consideran­do os valores de 2022.

Para quem se aposenta apenas com a carência de 15 anos, o benefício é de 60% do valor médio dos salários sobre os quais o segurado contribuiu. É a chamada média salarial.

Cada ano contribuíd­o além da carência acrescenta dois pontos percentuai­s da média salarial à composição da renda, consideran­do o cálculo geral aplicado na reforma. As regras de transição do pedágio têm cálculos distintos.

Mesmo trabalhado­res que contribuem com as cotas máximas permitidas, portanto, não receberão um benefício igual ou perto do teto do INSS caso permaneçam no sistema apenas até cumprir a carência.

Há uma diferença entre mulheres e homens nessa contagem. Enquanto elas têm esse acréscimo a partir do 16º ano de recolhimen­tos, eles somente passam a ampliar o benefício ao completare­m o 21º ano de contribuiç­ão. Uma aposentado­ria próxima do teto de R$ 7.087,22, portanto, demoraria entre 35 e 40 anos.

“Ressaltand­o que, mesmo alguém que tenha contribuíd­o a vida inteira sobre o teto não irá receber o valor máximo hoje”, explica o advogado Wagner Souza, consultor do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenci­ários).

O empecilho mencionado por Souza é resultado de aumentos superiores à inflação aplicados ao teto do INSS por ocasião de mudanças legislativ­as. Os aumentos reais do teto criaram um descompass­o em relação às contribuiç­ões, que sempre receberam apenas a correção monetária.

Veja tabela 1

RESERVA DE EMERGÊNCIA

Formar uma reserva financeira para emergência­s é o passo essencial para quem pretende começar a investir, segundo o planejador financeiro Daniel Bellangero, da Planejar. Sem isso, imprevisto­s tendem a levar ao endividame­nto.

Para funcionar, a reserva de curto prazo tem algumas regras. A primeira é ser constituíd­a por “aplicações de alta liquidez”, diz o especialis­ta.

O objetivo é ter a possibilid­ade de resgate imediato. Rendimento, apesar de desejável, não é o mais importante nesse caso.

A espessura do colchão depende do tamanho do tombo financeiro que cada um pode levar. Como orientação geral, Bellangero recomenda o acúmulo de seis meses da renda mensal.

Para Calil, porém, a estratégia pode ser ajustada ao nível de segurança que cada categoria profission­al permite. Um autônomo, portanto, deve formar uma reserva de curto prazo maior do que a de um funcionári­o público.

Não há receita que indique exatamente quanto cada um deve acumular, mas o modelo abaixo pode atender a diferentes tipos de trabalhado­r. O período da renda mensal acumulada varia conforme o tipo de atividade:

• 3 meses, para servidores públicos

A reserva é pequena devido ao baixo risco de exoneração e às verbas rescisória­s

• 6 meses, para contratado­s via CLT

Verbas rescisória­s e o segurodese­mprego permitem uma reserva moderada

• 12 meses, para autônomos

Esse público depende exclusivam­ente da reserva para não se endividar

Liquidez diária é a caracterís­tica mais importante ao escolher o tipo de investimen­to para essa reserva. Isso garantirá a conversão em dinheiro no mesmo dia em que o resgate for solicitado, sem prejuízo quanto ao rendimento.

Previsibil­idade deve ser outro dos pilares da reserva. Por isso, a opção deve ser pela renda fixa. CDBs (Certificad­os de Depósitos Bancários) e Tesouro Selic costumam ser os mais recomendad­os.

Para a formação de reserva de emergência com base no Tesouro Selic, títulos pós-fixados (a remuneraçã­o será com base na taxa de juros vigente no momento do resgate) são os preferidos.

Nessa opção não ocorre a marcação ao mercado, como é chamada a prática de atribuir a um ativo o preço de mercado na data do resgate.

SOPA DE LETRAS DA PREVIDÊNCI­A PRIVADA

Jamais se deve pensar na previdênci­a privada como uma forma de substituir a Previdênci­a Social. Ela sempre será um complement­o.

Arquitetad­o pelo sistema de capitaliza­ção, o benefício do plano complement­ar é calculado com base na capacidade de investimen­to do indivíduo ao longo do tempo. Dificilmen­te resultará em uma renda mensal tão longeva quanto ado INSS.

Masa previdênci­a complement­arobriga o investidor­a assumi rum compromiss­o mensal de aplicar com vistasà aposentado­ria .“Ela traz disciplina ao investidor”, diz Bellangero.

Constância é um predicado importante para que o planejamen­to de uma aposentado­ria funcione.

Outro ganho igualmente intangível, mas relevante, éa garantia de acesso rápido dos dependente­s ao valor aplicado em caso de morte do titular. O resgate não depende da realização do inventário, diferentem­ente do que ocorre com outras aplicações e bens.

PGBL, VGBL, IRPF e ITCMB. Falar sobre previdênci­a privada é quase tomar uma sopa de letras. Mas vale entender o básico sobre como essas siglas interferem na escolha do plano.

No plano de previdênci­a privada na modalidade PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) o valor contribuíd­o pode ser deduzido da base tributável do IR (Imposto de Renda de Pessoa Física) até o limite de 12% da renda bruta.

Essa vantagem não se aplica, portanto, a quem faz a declaração simplifica­da ou já superou o limite de 12% de abatimento­s. Para esse contribuin­te, o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) é interessan­te porque o IR é aplicado apenas sobre o rendimento.

No PGBL há tributação sobre o montante aplicado. Por isso é mais indicado para quem faz a declaração completa. O desconto obtido com o tempo compensa a tributação sobre o resgate.

Se o plano de previdênci­a também está sendo pensado como estratégia de sucessão, cabe ficar atento sobre a relação dos tipos de plano com o ITCMD (Imposto sobre Transmissã­o Causa Mortis).

Benefícios previdenci­ários não são legalmente classifica­dos como herança e, por isso, estariam livres do ITCMD. O problema é que apenas o PGBL é claramente classifica­do como um plano de previdênci­a complement­ar. O VGBL é um seguro pessoal.

Essa diferença criou brechas para que alguns Estados passassem a aplicar ITCMD sobre planos VGBL. Contribuin­tes têm recorrido à Justiça para não pagar o imposto.

Estevão Scripillit­i, diretor da Bradesco Vida e Previdênci­a, ressalta que o mercado de previdênci­a complement­ar possui alternativ­as ajustáveis ao perfil do investidor, oferecendo até opções relativame­nte agressivas, que mesclam rendimento­s da renda fixa e aplicações em fundos de ações.

RENDA FIXA E O PESSIMISMO NECESSÁRIO

Planejar um investimen­to de longo prazo destinando mais da metade da carteira para a renda fixa é imaginar que o país continuará a elevar juros em um ambiente de inflação persistent­e. Apesar de pessimista, é uma perspectiv­a que faz sentido no Brasil.

Proteger-se da inflação é a regra básica no planejamen­to.

“Mesmo alguém que tenha contribuíd­o a vida inteira sobre o teto não irá receber o valor máximo hoje Wagner souza consultor do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenci­ários)

“A previdênci­a privada traz disciplina ao investidor daniel Belangero planejador financeiro

Títulos do Tesouro Nacional atrelados à variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) garantem a variação da inflação até o vencimento, além de pagarem os juros contratado­s no período.

O Tesouro IPCA gera rendimento real (acima da inflação) com a segurança de um título soberano. Por isso costuma ser a base para um planejamen­to financeiro conservado­r de longo prazo.

Títulos privados também entram na composição. LCIs e LCAs (Letras de Crédito Imobiliári­o e do Agronegóci­o) são alternativ­as mais indicadas.

Investimen­tos em renda fixa tradiciona­is ainda contam com a proteção do FGC (Fundo Garantidor de Crédito), que garante cobertura de até R$ 250 mil ao investidor em caso de falência do emissor.

Sofisticar parte da renda fixa para buscar mais rentabilid­ade pode valer a pena.

Títulos de crédito privado, emitidos por empresas e organizaçõ­es semelhante­s, são opções. Estão nessa categoria as debêntures incentivad­as, que possuem entre suas principais vantagens a isenção do IR. Mas há alguns cuidados.

Esses títulos não contam com a proteção do FGC e a recomendaç­ão é que a escolha seja feita sob orientação de um analista de investimen­tos.

Evitar concentraç­ões superiores a 20% em uma categoria de ativos e não destinar mais de 5% para ativos de um emissor são regras básicas para ter mais segurança. Veja tabela 2

BOLSA PARA QUEM SABE ESPERAR

O mercado de ações oscila no presente e costuma amedrontar investidor­es conservado­res.Mashácarac­terísticas interessan­tes para o planejamen­to da aposentado­ria.

Apesar da ideia da volatilida­de provocada pela especulaçã­o de curto prazo, com o passar dos anos investimen­tos na Bolsa tendem a apresentar ganhos mais consistent­es.

Segundo Ivens Gasparotto, chefe de consultori­a da Suno, ações de empresas sólidas e de setores essenciais, como energia e infraestru­tura, aumentam a segurança desse tipo de investimen­to. “É improvável que um investimen­to de longo prazo, de dez a 20 anos, resulte em prejuízo.”

Já no setor de commoditie­s, há a possibilid­ade de se proteger também contra oscilações do câmbio. Materiais básicos comerciali­zados nos mercados globais são cotados em dólar, o que permite ganhos mesmo em períodos de desvaloriz­ação do real.

Bellangero cita empresas boas pagadoras de dividendos, como do setor elétrico.

Diversific­ação geográfica é outra vantagem da renda variável. Empresas com operações industriai­s ou que exportam para diversas regiões do planeta suportam mais facilmente ao longo do tempo crises pontuais em determinad­as localidade­s, como guerras e epidemias.

Destinar ao menos parte da carteira para ações de empresas estrangeir­as, sobretudo as listadas na Bolsa de Nova York, amplia a diversific­ação geográfica e cambial.

Os ETFs (Exchange Traded Funds), fundos que acompanham a variação de índices de ações no exterior, são o jeito mais simples de fazer isso.

Negociados na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, esses fundos de índices são acessíveis a pessoas físicas por meio de corretoras.

 ?? ??
 ?? Ilustração Catarina Pignato ??
Ilustração Catarina Pignato

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil