Folha de S.Paulo

Vazamento de gravidez de atriz em hospital é investigad­o

Instituiçã­o e conselho de enfermagem apuram relato de Klara Castanho

- Cláudia Collucci Leia mais em Ilustrada e na Folha Corrida

são paulo O relato da atriz Klara Castanho, 21, sobre o vazamento de informaçõe­s do seu prontuário médico expõe falhas graves do hospital e de profission­ais que têm a obrigação legal de proteger o sigilo da paciente, segundo gestores hospitalar­es e advogados.

Klara revelou no sábado (25) que foi vítima de um estupro e manteve a gestação, entregando a criança para adoção após o nascimento.

A atriz relatou que, ainda sob o efeito da anestesia do parto, uma enfermeira entrou na sala cirúrgica e a ameaçou com o vazamento de informaçõe­s sobre a situação.

“Ela fez perguntas e ameaçou: ‘Imagina se tal colunista descobre essa história’. Eu estava dentro de um hospital, um lugar que era para supostamen­te para me acolher e proteger. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista, com todas as informaçõe­s”, escreveu Klara em rede social.

Neste domingo (26), o Hospital Brasil, da Rede D’Or em Santo André (SP), informou que abriu sindicânci­a interna para apurar o fato. Em nota, a instituiçã­o diz que tem como princípio preservar a privacidad­e de seus pacientes bem como o sigilo das informaçõe­s do prontuário médico.

O Coren (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo) também anunciou que vai apurar a denúncia envolvendo a profission­al. Em última instância, ela pode perder o registro profission­al.

Na opinião do advogado Josenir Teixeira, consultor jurídico na área da saúde, o vazamento do prontuário do paciente é criminoso. “Expõe as mais íntimas entranhas físicas e psíquicas do ser humano.”

O médico e doutor em administra­ção de empresas Walter Cintra Ferreira Júnior, professor de administra­ção hospitalar da FGV (Fundação Getulio Vargas), tem a mesma opinião.

“É uma ação criminosa. Mesmo antes da LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], isso já estava caracteriz­ado. Precisa averiguar, todo mundo tem direito à ampla defesa, mas que sejam feitas as punições devidas porque isso tudo é um verdadeiro horror.”

Segundo Teixeira, os fatos relatados pela atriz, se confirmado­s, demonstram a violação de artigos da Constituiç­ão Federal, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, além de resoluções dos conselhos profission­ais.

O advogado explica que ações indenizató­rias podem ser movidas contra o hospital (pessoa jurídica) e a enfermeira (pessoa física). “A enfermeira deve ser empregada do hospital, o que o coloca em posição de solidaried­ade com ela no pagamento de indenizaçã­o.”

Além de poder ser demitida por justa causa, a enfermeira também deverá poderá ser investigad­a em inquérito policial e se tornar ré em ação criminal. Nesse caso, poderá ser aplicado o artigo 154 do Código Penal, que prevê detenção de até um ano ou multa.

Também pode ser julgada pelo descumprim­ento do código de ética. Para Ferreira Júnior, é preciso que o caso sirva de alerta para que os hospitais e profission­ais revisem seus códigos de conduta.

“O hospital tem profission­al de vigilância, da limpeza, os funcionári­os administra­tivos, e todos precisam ser instruídos em relação ao código de conduta e as consequênc­ias se quebrado.”

Francisco Balestrin, presidente do Sindhosp (sindicato paulista dos hospitais, clínicas e laboratóri­os), diz que essas questões relacionad­as ao sigilo do paciente estão bem estabeleci­das nas instituiçõ­es e são ainda mais reforçadas quando os doentes são de “interesse social”, como políticos e artistas.

“Mas infelizmen­te há profission­ais que usam os seus critérios individuai­s para fazer isso ou aquilo. Eles se posicionam com seres ideológico­s, fazem julgamento­s, causam dolo ao paciente.”

Ele afirma que os hospitais são locais onde as pessoas deveriam se sentir protegidas. “Mas hoje, mesmo nessas instituiçõ­es, você está sujeito a essa exacerbaçã­o ideológica que temos visto na sociedade.”

Balestrin cita o episódio que envolveu o vazamento de dados sigilosos do prontuário médico da ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, em 2017. Em um grupo de WhatsApp, uma médica do Hospital Sírio-Libanês compartilh­ou dados sobre o estado de saúde, que logo viralizara­m. O hospital demitiu a profission­al por justa causa.

Para Balestrin, o caso envolvendo a atriz Klara Castanho mostra que algumas instituiçõ­es e profission­ais de saúde não aprenderam nada.

Ele diz que os hospitais definem regras, protocolos e condutas, mas que, nos últimos anos, ele observa que os profission­ais estando perdendo muito a sua formação ética.

Na opinião da psicóloga Daniela Pedroso, o caso de Klara reforça ainda o despreparo dos serviços em atender mulheres vítimas de estupro que engravidam.

Ela lembra que as pacientes precisam ser informadas tanto sobre o direito legal ao aborto, em qualquer estágio gestaciona­l, quanto sobre a opção de colocar a criança para a adoção. “Ela precisa ser acolhida e respeitada na opção que desejar.”

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Facebook A atriz Karla Castanho, que teve informaçõe­s vazadas

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