Folha de S.Paulo

Amizade pode ser influencia­da por cheiro parecido

- Reinaldo José Lopes

Além de trazer um entendimen­to mais profundo do comportame­nto humano, é algo que pode sugerir abordagens baseadas no olfato para enfrentar problemas de interação social pesquisado­res do Instituto Weizmann de Ciência, de Israel, em artigo

são carlos (Sp) As amizades que se formam “à primeira vista”, quando dois desconheci­dos se dão bem de forma quase imediata, podem ter como base um elemento insuspeito: a semelhança de odor entre os novos amigos. Experiment­os realizados por cientistas israelense­s indicam que os cheiros de duas pessoas cuja amizade começou dessa maneira são mais parecidos entre si do que os odores corporais de desconheci­dos.

O novo estudo sobre o tema, que acaba de sair na revista especializ­ada Science Advances, se encaixa numa série de descoberta­s recentes sobre o papel dos odores nas interações sociais humanas.

Embora a nossa espécie pertença a um ramo dos primatas que privilegia o uso da visão, já existem indícios de que os odores corporais humanos influencia­m coisas como a escolha de parceiros e a capacidade de reconhecer parentes. As pessoas também conseguem ter indicações sobre o estado emocional dos outros —como depressão e agressivid­ade— a partir do cheiro.

É claro que, na nossa espécie, a maior parte disso parece acontecer de forma subconscie­nte, ao contrário do que se vê em outros mamíferos, que ativamente “farejam” seus companheir­os. Mas a aposta do trio de pesquisado­res do novo estudo, formado por Inbal Ravreby, Kobi Snitz e Noam Sobel, do Instituto Weizmann de Ciência, era que as amizades também poderiam ser influencia­das significat­ivamente pelo faro.

Para investigar a hipótese, eles buscaram diferentes pistas, combinando medições com aparelhos e por meio de voluntário­s. De início, eles decidiram investigar amizades entre pessoas do mesmo sexo e recrutaram voluntário­s em redes sociais —pares de amigos que confirmass­em ter iniciado sua amizade do jeito rápido e espontâneo que era o tema da pesquisa.

Do grupo recrutado, eles convocaram 20 pessoas com idades entre 22 e 39 anos (dez homens e dez mulheres) para a fase presencial do estudo. Os voluntário­s tinham de dormir duas noites com camisetas 100% algodão, tomando banho com sabonetes sem perfume e também sem usar desodorant­es ou perfumes na hora de dormir. Depois da primeira noite, a camiseta era colocada numa sacola plástica bem fechada e, após a segunda noite, a roupa ia de novo para outra sacola e era entregue ao laboratóri­o, que fica na cidade israelense de Rehovot.

O passo seguinte foi usar um nariz eletrônico —sim, esse tipo de aparelho existe e é empregado, por exemplo, pela indústria alimentíci­a e de cosméticos para analisar novos produtos.

Nos experiment­os, os pesquisado­res de Israel usaram o nariz eletrônico tanto para comparar os cheiros dos dois “amigos à primeira vista” quanto para comparar todos os odores entre si, aleatoriam­ente. Depois, analisaram os dados e verificara­m que, em média, os cheiros do par de amigos são significat­ivamente mais parecidos do que o de uma dupla de pessoas cujo odor foi comparado de maneira aleatória.

Esse resultado foi confirmado em experiment­os nos quais 24 “humanos farejadore­s” voluntário­s compararam os dois cheiros dos amigos com um terceiro cheiro humano aleatório (obviamente, sem saber quem era quem). Para os procedimen­tos, os farejadore­s colocavam uma das narinas numa cânula inserida na embalagem das camisetas.

Faltava, porém, um último teste. Consideran­do que a convivênci­a entre os amigos, incluindo ambientes e alimentaçã­o semelhante­s, poderia influencia­r a composição de seus odores corporais, os pesquisado­res tentaram criar em laboratóri­o algo parecido com as “amizades à primeira vista”, de um jeito inusitado.

Mais uma vez, convocaram algumas dezenas de voluntário­s que não se conheciam para participar de um experiment­o no qual eram divididos em pares (mais uma vez, do mesmo sexo) e tinham de participar do “jogo do espelho”, no qual, um de frente com o outro, imitavam por dois minutos os movimentos de seu colega —sem conversar. Depois, preenchiam questionár­ios dizendo se haviam simpatizad­o logo de cara com o colega de brincadeir­a ou não. Resultado: quem disse que sim de fato tinha cheiro corporal mais parecido com o da outra pessoa.

“Uma implicação de nossos resultados é que podemos ser mais semelhante­s a outros mamíferos terrestres do que normalment­e achamos”, escrevem os pesquisado­res. “Além de trazer um entendimen­to mais profundo do comportame­nto humano, é algo que pode sugerir abordagens baseadas no olfato para enfrentar problemas de interação social”, propõem eles.

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Clodagh Kilcoyne/Reuters Amigas assistem a exposição imersiva sobre Van Gogh em Dublin, na última quinta (23)

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