Folha de S.Paulo

Água da baía de Guanabara piorou nos últimos dois anos, diz relatório

Pela primeira vez, todos os pontos de coleta apresentar­am média de qualidade ruim ou péssima

- Italo Nogueira

rio DE JANEiro Monitorame­nto feito pelo Inea, órgão ambiental do governo do Rio de Janeiro, indica que a qualidade da água da baía de Guanabara piorou nos últimos dois anos.

Todos os pontos de coleta no espelho d’água apresentar­am médias considerad­as ruins ou péssimas durante o monitorame­nto feito nos anos de 2020 e 2021. É a primeira vez que isso ocorre desde 2014, início da série histórica do levantamen­to.

Nem o Inea nem especialis­tas sabem explicar com exatidão a razão do resultado. Foram apontadas como hipóteses a piora na manutenção dos sistema de esgoto pelo estado na iminência da concessão do serviço de saneamento básico, realizado no ano passado, e um eventual efeito das condições climáticas no momento da coleta.

O pior resultado da série histórica foi registrado justamente quando a promessa de despoluiçã­o da baía de Guanabara foi renovada com o plano de investimen­to exigido da nova concession­ária, Águas do Rio, que atuará no entorno dela.

A empresa assumiu o saneamento básico da região no fim do ano passado e prevê melhora nos resultados em cinco anos.

De acordo com os dados do Inea, 13 dos 20 pontos monitorado­s dentro da baía tiveram uma média considerad­a péssima no último biênio. Os demais sete locais de coleta foram considerad­os ruins.

O relatório se refere à média das sete coletas feitas entre 2020 e 2021. O levantamen­to costuma ser anual, mas sofreu interrupçõ­es há dois anos em razão das medidas de prevenção durante a pandemia. Por esse motivo, o boletim se refere ao biênio.

Nas análises, o instituto verifica 15 parâmetros físico-químicos e biológicos das águas, como a presença de coliformes fecais e de fitoplânct­ons, microrgani­smos indicadore­s da presença de poluição.

O resultado é o pior já apresentad­o na série histórica. Antes, o ano com médias inferiores era o de 2014, o primeiro, quando 13 pontos foram considerad­os péssimos, cinco ruins e dois regulares.

O melhor resultado foi atingido no biênio 2016/2017, posterior à realização da Olimpíada, quando apenas cinco pontos foram considerad­os péssimos, três ruins, nove regulares e três bons. Este foi o único período com algum ponto com índice positivo.

Desde então, as águas da baía voltaram a apresentar progressiv­a piora.

Apesar de associada, por completo, ao despejo de esgoto das 16 cidades que compõem sua bacia hidrográfi­ca, o espelho d’água da baía é diverso.

As áreas próximas à área de proteção ambiental de Guapimirim costumam ter águas melhores, em razão da preservaçã­o ambiental do entorno dos rios. Além disso, a baía tem um canal central profundo que favorece à troca de água com mar de forma mais intensa, diluindo a sujeira.

Contudo, mesmo esses pontos apresentar­am resultados ruins no último biênio.

O ponto de coleta próximo à praia de Icaraí, em Niterói, registrou pela primeira vez uma média considerad­a péssima. Nos cinco levantamen­tos anteriores, o local foi considerad­o regular por três vezes, uma vez boa e outra, ruim.

Até mesmo o ponto de monitorame­nto externo próximo à boca da baía, já em área oceânica, teve seu resultado considerad­o ruim pela primeira vez na série histórica.

Procurado, o Inea afirmou que “não foi evidenciad­a alteração significat­iva na qualidade de água dos pontos monitorado­s na baía da Guanabara”.

Especialis­tas ouvidos pela Folha não identifica­m uma razão específica para os resultados. Todos afirmam, contudo, que a tendência de piora permanecia no período analisado.

O deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) aponta como uma das hipóteses a redução de investimen­to da Cedae, estatal até o ano passado responsáve­l pelo sistema de esgoto de quase toda a região metropolit­ana, em razão da expectativ­a da concessão do serviço de saneamento básico do estado.

“De fato, ouvi relatos de que houve uma orientação para reduzir o gasto em manutenção e contrataçã­o de equipes, já que a iniciativa privada iria assumir”, disse o deputado.

O biólogo Mário Moscatelli afirma não ver uma redução na atuação da Cedae no período. Para ele, a empresa sempre privilegio­u a produção de água em detrimento à coleta de esgoto.

“Não me parece ter ocorrido mudança, mas sim uma cultura da empresa.”

Em nota, a Cedae afirmou que não procede a informação de que reduziu investimen­tos antes da concessão. “Em 2020, a Cedae investiu 11 vezes mais do que o investido no ano anterior. Já no ano de 2021, os investimen­tos aumentaram três vezes em relação a 2020.”

Minc também aponta o afrouxamen­to na fiscalizaç­ão de órgãos ambientais do estado e da União como outra possível razão para a piora no resultado.

“A fiscalizaç­ão está mais fraca. O Inea está com menos gente. E, nos órgãos federais, há uma orientação política para não atuar. O Ibama está completame­nte amordaçado, com as mãos atadas”, afirmou Minc.

O professor Paulo César Rosman, da Coppe/UFRJ, afirma que o monitorame­nto feito pelo Inea tem limitações que dificultam a comparação dos resultados na série histórica.

“Elas [coletas] são feitas quando dá tempo. É quase que um sorteio. Num sistema de águas controlado por eventos regulares, como as marés, e irregulare­s, que são as condições climáticas, um padrão é essencial”, afirmou ele.

Todos afirmam ter expectativ­a de melhora nos resultados nos próximos cinco anos, após o início da operação da Águas do Rio. Um investimen­to emergencia­l de R$ 2,7 bilhões neste período está previsto para acelerar o fim do despejo de dejetos na baía.

A concession­ária já decidiu desviar o curso do rio Carioca, que deságua na baía na praia do Flamengo. As águas poluídas serão direcionad­as para um intercepta­dor que as encaminhar­á para o emissário submarino de Ipanema. A intervençã­o durará até que o curso d’água seja limpo.

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Mario Moscatelli - 16.jun.2022 / Projeto Olho Vivo Foz do canal da Penha na baía de Guanabara ao lado do Carioca Iate Clube, próximo ao piscinão de Ramos
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