Folha de S.Paulo

Louis Garrel critica as queimadas no Brasil em filme do Varilux

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nariz gaulês. Tem se provado um ator cada vez melhor, às vezes brilhante, e também um diretor de talento.

Passadas duas décadas, ao menos ele próprio já não se percebe mais como parte de uma juventude sonhadora, mas sim de uma geração acomodada, esvaziada de ideais. Este, aliás, é um dos temas de “Um Pequeno Grande Plano”.

O filme dura uma hora, então, a rigor, é mais propriamen­te um média-metragem —termo meio escanteado no cinema, já que os próprios cineastas costumam pensar em curtas ou longas. Mas a nova empreitada de Garrel se fixa em um meio termo, não só em minutagem, mas igualmente em suas pretensões. Não procura a completude dos filmes de mais fôlego, embora não busque a capacidade de síntese dos de menor duração.

É uma comédia fantasiosa e saborosame­nte delirante, sobre crianças que escondem dos adultos um plano para salvar o mundo de uma tragédia ambiental, ao inundar o Saara com água do mar.

A premissa é uma grande maluquice, e por isso mesmo adensar personagen­s ou detalhar em excesso minúcias ecológicas talvez tornassem o filme por demais presunçoso, impossível de dominar. Sabiamente, Garrel consegue abarcar o mais importante de seu tema de forma simples, mas com vigor criativo.

A trama começa num lar pequeno-burguês parisiense, onde um casal descobre que o filho pré-adolescent­e vendeu sua patinete para juntar dinheiro para uma “viagem”.

Depois de certo espanto, os pais começam a fazer perguntas para entender que viagem é essa e vão ficando assustados com cada resposta —chegam às raias do desespero ao saber que o garoto vendeu muitos outros objetos valiosos. Quando o pai descobre que ele vendeu sua coleção de relógios caríssimos, o menino retruca —“mas deixei um para você; ademais, todos marcavam o mesmo horário”.

Como se percebe, há sarcasmo no roteiro, e esse início de filme alterna essa camada cômica com suspense, em cenas bem conduzidas, que destacam as performanc­es do pequeno Joseph Engel, de Laetitia

Casta e do próprio diretor .

Além de Garrel, assina o roteiro o grande Jean-Claude Carrière, morto no ano passado. É, no fundo, uma observação sobre o quanto os adultos são desleixado­s quando o assunto é ecologia, mesmo diante de sinais de que a Terra pode estar com dias contados.

Quando o tema surge numa conversa do casal com dois amigos, ouvimos frases do tipo “é exagero da mídia para ter audiência” ou “é estratégia do liberalism­o para vender”.

Há certa verdade nessas colocações, mas fica patente que se trata sobretudo de uma forma algo mesquinha de mascarar a própria indolência diante das questões ecológicas e o medo de sacrificar seu conforto material. Os adultos de hoje, o filme diz, são uns cínicos.

Segundo Garrel, as novas gerações são mais mobilizada­s, menos hipócritas. Já que não asseguramo­s um mundo para elas no futuro, elas próprias se dispuseram a isso. Mas o filme também não as idealiza —em sua praticidad­e, por vezes se saem com ideias estarreced­oras. Apesar da boa vontade, falta a essa garotada certa maturidade humanístic­a.

O trecho final não é lá dos mais entusiasma­ntes, mas, no todo, é um filme simpático. Há uma cena, porém, que há de causar especial mal-estar ao espectador do Brasil —uma das crianças diz que o projeto de salvar o mundo consiste em “fazer exatamente o contrário dos brasileiro­s” em relação às florestas.

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