Folha de S.Paulo

Vamos às apresentaç­ões

- Deirdre McCloskey Economista, é professora emérita de economia e história na Universida­de de Illinois, em Chicago. Escreve às quartas Tradução de Clara Allain

Estou escrevendo esta coluna há dois ou três meses. Se vamos continuar a nos encontrar deste jeito, preciso me apresentar. E então você poderá julgar se vale a pena me ouvir.

Veja bem, se eu fosse nazista ou stalinista, aconselhar­ia você a não me ouvir. E se não tivesse justificat­iva plausível para dizer que entendo de economia, história ou filosofia política, também.

No site que mantenho na internet, deirdremcc­loskey.org, eu me descrevo como “mulher do meio-oeste, de Boston, literata, quantitati­va, pós-moderna, proponente do livre mercado, episcopali­ana progressis­ta, ex-marxoide, que foi homem no passado. Não ‘conservado­ra’! Sou liberal clássica cristã”.

Espere aí. Como é possível alguém ser simultanea­mente literata e quantitati­va, cristã e pós-moderna, ou mesmo uma mulher que já foi homem? É fácil: eu sou. Isso me lembra uma piada antiga: “Você acredita no batismo infantil?; Se acredito? Eu já vi!”.

A explicação é que sou estúpida porém honesta, e por isso mudo de ideia sempre. Cada estupidez na qual mergulhei e da qual saí teve pelo menos o efeito de me deixar mais tolerante e solidária.

Comecei como socialista adolescent­e, como acontece com tantos jovens. Eles vêm de uma instituiçã­o socialista —uma família amorosa. O lema é e deveria ser: “De cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme sua necessidad­e”.

Mas para jovens que não cresceram numa fazenda, numa pequena empresa ou mesmo numa favela, todos esses ambientes em que eles conheceria­m em primeira mão o trabalho e o lucro, isso os leva a ceder à tentação de pensar que dinheiro cresce em árvores.

Eles não entendem como funciona a economia. Pessoas que não entendem como funciona a economia são ditas “socialista­s”. À medida que fui estudando economia, fui gradualmen­te superando essa estupidez específica.

Mas então adotei outras estupideze­s, como o keynesiani­smo na política econômica e o positivism­o na ciência econômica. Então, mais que, então.

Nos anos 1980, comecei a entender as humanidade­s, e em especial a tradição “retórica” desde os gregos antigos. E na década de 1990 me bandeei para a chamada escola de economia “austríaca”.

Nos anos 2000, eu realmente li as obras do escocês humanista, retoricist­a e protoaustr­íaco Adam Smith, especialme­nte “A Teoria dos Sentimento­s Morais”. Tudo isso me levou na década de 2010 à “humanomics”, uma economia rigorosa, mas que conserva o foco sobre os humanos. Ao mesmo tempo, mudei de gênero e me tornei cristã.

Estupidez? Você é quem sabe.

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