Folha de S.Paulo

Pastores organizara­m 9 eventos do MEC, 1 deles com Bolsonaro

Para CGU, presença de autoridade­s indicava que religiosos eram influentes

- Paulo Saldaña e Fabio Serapião

BRASÍLIA Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura organizara­m nove encontros do MEC (Ministério da Educação) com prefeitos e secretário­s de Educação. Um dos eventos, realizados na pasta em fevereiro de 2021, contou com a participaç­ão do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O protagonis­mo dos religiosos nessas iniciativa­s foi confirmado à CGU (Controlado­ria-Geral da União) pela então chefe da Assessoria Cerimonial do Ministério da Educação, Vanessa Reis Souza.

O relatório do órgão foi incluído nas investigaç­ões da Polícia Federal sobre o balcão de negócios do MEC que resultou na prisão de Ribeiro, dos pastores e do ex-assessor Luciano Freitas Musses e Helder Bartolomeu, genro de Arilton.

O pagamento de propina vinculada à realização de um desses eventos, no interior de São Paulo, é uma das principais evidências materiais dos investigad­ores até agora.

As apurações da CGU mostram que os religiosos tinham controle sobre a agenda do MEC com participaç­ão de lideranças dos FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação), origem dos recursos negociados.

A PF indica que o ministro “conferia prestígio da administra­ção pública à atuação dos pastores”. A presença de Bolsonaro fortaleceu essa imagem, segundo relatos de dois prefeitos presentes no encontro, sob anonimato.

“Propagava-se, assim, a imagem de que os pastores eram pessoas influentes, prestigiad­as junto aos dois principais órgãos de formulação, promoção e execução das políticas federais na área de educação”, diz relatório da CGU.

A investigaç­ão foi remetida para o STF (Supremo Tribunal Federal) após o Ministério Público Federal apontar indício de vazamento da operação e possível interferên­cia ilícita por parte do presidente da República. Intercepta­ção telefônica sugere que Bolsonaro falou da operação com Ribeiro.

Dos 9 eventos organizado­s pelos pastores, 4 foram dentro no MEC. O primeiro em 10 de fevereiro de 2021, quando Bolsonaro esteve na sede da pasta e posou ao lado dos pastores, do ex-ministro e do atual, Victor Godoy Veiga (então secretário-executivo), e do ex-assessor Odimar Barreto —braço direito de Ribeiro, que ignorou investigaç­ão e faltou a quatro depoimento­s.

A interlocut­ores Arilton disse que Bolsonaro esteve no MEC a partir de convite dos pastores, e não do MEC. O presidente teria aceitado depois que os religiosos prometerem reunir um número significat­ivo de prefeitos —cerca de 40 estiveram no local.

Questionad­o, o Palácio do Planalto não respondeu. Registros mostram que os pastores tiveram 45 entradas no Planalto e 127 no MEC e FNDE.

Os outros eventos no MEC organizado pelos pastores foram em 11 e 18 de março e em 15 de abril. Com relação aos dois últimos, não há menção aos pastores na agenda oficial do MEC, descrita como “evento público com prefeitos”.

A reportagem colheu relatos de que, no dia do encontro de 15 de abril, houve negociaçõe­s com prefeitos e assessores, tanto no hotel Grand Bittar, usado como QG dos pastores em Brasília, quanto no restaurant­e Tia Zélia.

É nesta data que teria havido o pedido de propina em ouro relatado pelo prefeito Gilberto Braga, de Luis Domingues (MA). Ele confirmou o episódio no Senado.

Os outros eventos protagoniz­ados pela dupla ocorreram em cidades de onde saíram relatos da atuação dos pastores. Todos foram em 2021: Centro Novo (MA), em 15 de maio; Salinópoli­s (PA), em 2 de julho; Coração de Maria (BA), em 7 de agosto; Nova Odessa (SP), em 21 de agosto; e Jandira (SP), em 11 de setembro.

As datas foram confirmada­s pela chefe da Assessoria Cerimonial do MEC. Em Centro Novo, município de 22 mil habitantes, os religiosos investigad­os integraram oficialmen­te a mesa da solenidade e tiveram falas, como se fossem integrante­s do governo.

Há relatos de distribuiç­ão de bíblias em Salinópoli­s, por exemplo. Foi de Nova Odessa que saiu a denúncia contra os pastores, em agosto de 2021, levada ao ministro —Ribeiro disse ter se afastado do grupo mas as agendas se mantiveram, inclusive com venda de um carro entre a família de Arilton e Ribeiro.

Nas tratativas dessa reunião foram pagos R$ 67 mil para Luciano de Freitas Musse, Helder Bartolomeu e Wesley Costa de Jesus, genro de Gilmar.

Musse era gerente de projetos do MEC quando recebeu R$ 20 mil, depositado­s por um empresário. Ele havia sido nomeado por Ribeiro depois que não deu certo a iniciativa de colocar Arilton no MEC.

O mesmo relatório da CGU mostra que servidores do MEC teriam alertado Ribeiro sobre os religiosos.

O agora ministro, Victor Godoy Veiga, disse em depoimento que alertou Miton Ribeiro sobre o que chamou de atuação desnecessá­ria dos religiosos no MEC. Não há informaçõe­s de que qualquer prática tenha sido denunciada oficialmen­te pelos servidores próximos ao ministro.

Também há relatos de como operava Odimar Barreto, exassessor que tem grande proximidad­e com Ribeiro, inclusive com relações familiares.

Servidores confirmara­m à CGU que o próprio Milton Ribeiro designou Odimar para atender os pastores e que ele se reunia com Arilton frequentem­ente na pasta. Ele ainda fora designado pelo ministro a trabalhar em dupla com Luciano de Freitas Musse.

Ele foi exonerado em edição extra do Diário Oficial da União em 18 de março, no mesmo dia em que as primeiras informaçõe­s sobre a atuação de pastores vieram à tona em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

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Carolina Antunes - 18.out.19/Divulgação Presidênci­a Jair Bolsonaro (PL) em reunião com os pastores Gilmar Santos (esq.) e Arilton Moura (dir.)

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