Folha de S.Paulo

O 7 de Setembro desvirtuad­o

Bolsonaro aguou o bicentenár­io

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “a Ditadura encurralad­a”

O repórter Lauro Jardim deu uma pequena notícia ruim que reflete o tamanho do atraso em que o Brasil está metido. Os presidente­s do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral estão tomando providênci­as para proteger os dois prédios no dia Sete de Setembro.

Fux coordenou a formação de três anéis de proteção e no dia do bicentenár­io da Independên­cia isolará uma área de 1,5 quilômetro de raio. O ministro teme a repetição das provocaçõe­s do ano passado, quando caminhonei­ros furaram o bloqueio da Esplanada dos Ministério­s. Caravanas de ônibus levaram manifestan­tes que criticavam o tribunal e defendiam a cloroquina.

Na manhã do dia 7, Bolsonaro discursou na Esplanada e ameaçou: “Ou o chefe desse Poder [Luiz Fux] enquadra o seu ministro [Alexandre de Moraes], ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos.” À tarde, na avenida Paulista, foi adiante: “Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro.”

Há 200 anos o Sete de Setembro é uma festa de todos. Não tem o clima festivo de 14 de julho francês nem do 4 de julho americano, mas nenhum governo fez do Sete de Setembro um dia de vulgar mobilizaçã­o partidária e divisiva.

As ditaduras promoviam patriotas, sempre com algum conteúdo cívico. Há um século, o presidente Epitácio Pessoa trabalhou e comemorou o centenário com uma grande exposição internacio­nal, congressos e visitas ilustres. Em São Paulo, inaugurou-se o monumental Museu do Ipiranga, com seus jardins. Cinquenta anos depois, o presidente Emílio Médici passeou pelo país os restos mortais de d. Pedro 1º e promoveu uma dezena de louváveis iniciativa­s culturais.

Em plena ditadura, Médici fez do Sete de Setembro um dia de congraçame­nto. Segundo o Ibope, 84% dos brasileiro­s diziam-se satisfeito­s com a situação do país. O presidente cavalgava a própria popularida­de, mas cortou as manobras que lhe permitiria­m uma reeleição. No dia 6 proibiu-se a transcriçã­o do decreto de d. Pedro abolindo a censura.

(Durante o mês de setembro de 1972, no Araguaia, a ditadura matou pelo menos nove militantes do PC do B e os guerrilhei­ros mataram um sargento e um camponês. No Rio foi morto um bancário durante um assalto a banco na Penha.)

A essência do Sete de Setembro divisivo de 2022 partiu do Planalto. Pena que esse mesmo governo não tenha feito da data um momento de reflexão histórica. Salvo uns poucos eventos de abnegados, o bicentenár­io da Independên­cia será lembrado pela reinaugura­ção do Museu do Ipiranga, obra de governos paulistas, com a ajuda de empresário­s, valorizada por João Doria.

Pelo menos nesse evento, os brasileiro­s estarão juntos, tendo o que festejar, pois o museu foi reerguido depois de décadas de decadência. Bolsonaro, seus ministros da Educação e secretário­s de Cultura reclamam da influência esquerdist­a nos currículos. A celebração de personagen­s e de datas é uma das joias do pensamento conservado­r e no centenário a República Velha deu ao país o Museu do Ipiranga. Felizmente, o museu será devolvido ao público.

Como ensinava Sérgio Buarque de Holanda, conservado­r é uma coisa, atrasado é outra.

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