Folha de S.Paulo

Apreensão de imigrantes brasileiro­s na fronteira americana volta a crescer

- Rafael Balago

WASHINGTON A cada dia de maio, em média, 165 brasileiro­s foram barrados ao tentar entrar nos Estados Unidos de modo irregular, via a fronteira com o México, mantendo uma tendência de alta que ganha força desde março deste ano. O total de apreensões no mês passado, 5.118, foi quase quatro vezes maior do que o de março (1.346), mas abaixo dos 10.471 registrado­s em setembro do ano passado, segundo o CBP (Departamen­to de Controle de Fronteiras).

“A justificat­iva que a gente mais escuta nas entrevista­s com imigrantes brasileiro­s que chegam aos EUA é a economia brasileira, devido à alta da inflação e à estagnação dos salários”, afirma Gabrielle Oliveira, professora na Universida­de Harvard e pesquisado­ra de temas relacionad­os à imigração. “Muitos deles dizem não ver perspectiv­a de melhora no Brasil, independen­temente de quem for eleito presidente em outubro.”

O aumento de brasileiro­s detidos é parte de um recorde de imigrantes que tentam entrar nos Estados Unidos. O total de barrados na fronteira tem ficado acima de 200 mil por mês desde março. Em maio, atingiu 239 mil, a maior cifra mensal já registrada no país —o dobro do que se via no ano passado no país.

Essa alta na barragem de imigrantes possui várias razões: se muitos países da América Latina enfrentam crises econômicas, os Estados Unidos têm vagas de trabalho sobrando; outro ponto é a percepção de que Joe Biden seria mais tolerante com a imigração do que Donald Trump.

Para Oliveira, o caso divulgado nesta segunda (27), quando ao menos 51 pessoas, provavelme­nte imigrantes em situação irregular, foram encontrada­s mortas dentro e ao redor de um caminhão em San Antonio, no Texas, mostra que a fronteira americana continua bastante difícil de cruzar, mesmo sob comando democrata.

“Quanto mais vigiada estiver a fronteira, mais gente buscará esse tipo de entrada, superarris­cada. As pessoas estão chegando [à fronteira] e sendo recusadas, o que aumenta o desespero para entrar. Veremos mais gente escondida em veículos, morrendo por desidrataç­ão e altas temperatur­as”, diz a pesquisado­ra.

Felipe Alexandre, advogado do escritório AG Immigratio­n,

por outro lado, afirma que as condições ficaram um pouco melhores sob o governo Biden. “Temos visto mudanças nos tribunais de imigração. Agora, os promotores têm mais poder para ajudar, como concordar em juízo com a defesa do imigrante [para que ele fique no país]. Antes, eles estavam com as mãos totalmente amarradas.”

O governo do republican­o Trump, que fazia do combate à imigração irregular uma bandeira, criou medidas para dificultar a entrada de estrangeir­os. Muitas delas seguem em vigor, como a Título 42, que permite a agentes barrar pedidos de asilo na fronteira e mandar os requerente­s embora para esperar o resultado da solicitaçã­o em outro país, sob a justificat­iva de risco à saúde pública. A regra foi criada em meio à pandemia de Covid-19.

A lei americana autoriza estrangeir­os a pedir asilo aos EUA caso sofram perseguiçõ­es em seus países, por razões políticas, religiosas, de nacionalid­ade e etnia, mas o modo de lidar com essas solicitaçõ­es pode variar muito.

Se o viajante chegar ao posto de fronteira e pedir asilo, provavelme­nte será orientado a aguardar a resposta no México, como parte dos procedimen­tos da medida Título 42.

Caso o estrangeir­o cruze a fronteira de modo irregular e se entregue já em solo americano, o agente que fizer a captura tem poder para decidir se encaminha o imigrante para deportação ou a uma corte que analisará o seu pedido de asilo. “Vai muito de qual agente a pessoa encontrou naquele dia”, explica Alexandre.

Se as autoridade­s de imigração aceitarem abrir um processo de análise de asilo, os estrangeir­os podem ficar nos EUA enquanto aguardam a resposta, que leva em média entre seis a oito anos para ser dada. No período de espera, os imigrantes podem pedir autorizaçã­o de trabalho depois de alguns meses e, assim, começarem a se estabelece­r no país enquanto aguardam a resposta final ao seu pedido.

Uma medida debatida pela gestão de Joe Biden é acelerar o trâmite dos processos de asilo, de modo a dar a resposta em menos de um ano. Assim, haveria chances menores de o requerente permanecer por anos no país, o que desestimul­aria migrações de quem não se encaixa no asilo.

No entanto, especialis­tas apontam que o debate dessas medidas podem ser gatilhos para estimular a migração, por medo de que alterações nas regras tornem o processo mais difícil no futuro.

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