Folha de S.Paulo

Homicídios caem no Brasil, mas aumentam na Amazônia

- Ana Luiza Albuquerqu­e

RIO DE JANEIRO O Brasil apresentou, em 2021, queda de 6% do número de mortes violentas, tendência já observada desde 2018. A redução dos crimes, porém, se deu de forma irregular pelo país. A região Norte, por exemplo, foi a única onde o índice, em movimento contrário, cresceu.

Os dados são do 16º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (28). As MVI (mortes violentas intenciona­is) reúnem os casos de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervençã­o policial.

Em 2021, foram 47.503 vítimas e 22,3 mortes violentas para cada 100 mil habitantes —menor taxa desde 2011, primeiro ano em que o índice foi registrado. Entre os alvos, 91% são homens, 78% são negros e 51% são jovens.

Já na região Norte houve um aumento de 9% nas mortes violentas, com uma taxa de 33,3 casos para cada 100 mil habitantes. É a segunda maior taxa entre todas as regiões, atrás do Nordeste (35,5).

Entre os estados, o Amapá tem a maior taxa (53,8). O cresciment­o mais acentuado em relação ao ano anterior, porém, se deu no Amazonas, onde foram assassinad­os em junho o jornalista Dom Phillips e o indigenist­a Bruno Pereira.

Em 2020, o estado teve 1.121 vítimas de mortes violentas intenciona­is. No ano seguinte, foram 1.670, aumento de 49%.

Para reunir os dados em todo o país, o anuário utilizou como fonte as secretaria­s estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social, a Polícia Civil de Minas Gerais, o Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público do Acre, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o IBGE e o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Presidente do fórum, Renato Sérgio de Lima diz que a redução das mortes violentas intenciona­is precisa ser louvada, mas pondera que o Brasil ainda é um país muito violento. “Essa queda não consegue mudar o cenário de medo e inseguranç­a ao qual a população brasileira está submetida”.

Ele lembra que, segundo o sistema de dados do Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas, o Brasil é o país com o maior número absoluto de homicídios do planeta. Com uma população equivalent­e a 2,7% da população global, respondeu por cerca de 20,5% dos homicídios registrado­s no mundo em 2020.

O pesquisado­r também diz que a redução das mortes violentas não é consequênc­ia de uma política de segurança nacional, mas de outros fatores, como as mudanças demográfic­as, as políticas locais de prevenção à violência e as ações do crime organizado.

Nas últimas décadas, o Brasil passou por um envelhecim­ento populacion­al, com redução do número de jovens, normalment­e mais envolvidos com a violência letal. A região Norte, segundo Lima, é uma exceção: a parcela jovem da população segue crescendo.

Ele afirma que os programas locais de redução de homicídios, pautados na focalizaçã­o de ações nos território­s, também ajudaram a diminuir a violência. É o caso, por exemplo, do Pacto Pela Vida, em Pernambuco; o Fica Vivo!, em Minas Gerais; e as UPPs, no Rio de Janeiro.

Por fim, Lima observa que os violentos conflitos entre as principais facções criminosas do país, especialme­nte o PCC e o Comando Vermelho, arrefecera­m após seu ápice em 2017. Em alguns território­s, porém, como o Amazonas, onde as mortes violentas intenciona­is cresceram, as guerras entre os grupos criminosos se acirraram.

Não fosse a manutenção do conflito na Amazônia, diz o pesquisado­r, a queda nacional das mortes violentas poderia ter sido maior.

Lima afirma que Tabatinga, cidade no extremo oeste do Amazonas, tem hoje a segunda principal rota do tráfico internacio­nal de drogas e armas do país —o município fica na fronteira com Peru e Colômbia. Ela é controlada pelo Comando Vermelho, mas há disputas por determinad­os pontos.

“A Amazônia é uma síntese da violência brasileira. É uma sobreposiç­ão de ilegalidad­es: crime ambiental, letal, roubos, garimpos.”

A baixa capacidade institucio­nal, representa­da em parte pelo reduzido número de agentes das forças de segurança em estados do Norte, também pode ajudar a explicar o aumento das mortes violentas na região, diz o pesquisado­r.

Lima afirma, por exemplo, que o Acre tinha em março deste ano 78 delegados de Polícia Civil ativos para todo o estado. “Há sobreposiç­ão de crimes e pouca gente para investigar. O Estado não está se fazendo presente completame­nte”, afirma.

Segundo esta leitura, a baixa capacidade de investigaç­ão cria um ambiente permissivo para práticas criminosas.

O anuário também mostra que, entre as 30 cidades com as maiores taxas médias de mortes violentas entre 2019 e 2021, 13 estão na Amazônia. Onze delas são rurais, com pequenas populações atingidas pela violência extrema.

Nestes municípios, são mais de 100 mortes violentas para cada 100 mil habitantes. “A dinâmica do narcotráfi­co e das armas tem um peso importante para explicar esta tendência. E, em muitas destas regiões, as capacidade­s institucio­nais são bem menores do que no Rio de Janeiro ou em São Paulo”, diz Lima.

Segundo o estudo, quase todos os 13 municípios estão próximos a terras indígenas e a fronteiras com outros países que contam com a floresta em seus território­s. Um exemplo é Japurá (AM), na fronteira com a Colômbia, perto da rota de tráfico de Tabatinga. Ali, no meio rural, são 114 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.

“A Amazônia é uma síntese da violência brasileira. É uma sobreposiç­ão de ilegalidad­es: crime ambiental, letal, roubos, garimpos Renato Sérgio de Lima presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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