Licenças para armas crescem 473% no Brasil
Há mais armamentos no arsenal dos brasileiros do que em instituições do Estado, como a polícia, aponta anuário
RIO DE JANEIRO O número de pessoas com licenças para armas de fogo disparou no governo Bolsonaro, com aumento de 473% em quatro anos. Em 2018, antes de ele assumir, havia 117,4 mil registros ativos para caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs.
Em 2019, o número foi a 197,3 mil registros, alta de 68%, e seguiu aumentando até chegar em 673,8 mil em junho deste ano —maior valor da série histórica, que começou em 2005.
Os números estão no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que organizou os dados com base em informações do Sinarm (Sistema Nacional de Armas), vinculado à Polícia Federal, e do Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), do Exército.
Segundo o estudo, entre 2019 e junho de 2022, houve aumento de 591 mil registros de armas de fogo no Sigma para a categoria que engloba caçadores, atiradores e colecionadores, 42% do total de armas registradas no sistema entre 2003 e junho de 2022 (1.4 milhão).
A região do país que mais registrou licença para armamento foi São Paulo, com 175 mil registros, seguido pelo Paraná e Santa Catarina (109,9 mil). O Exército não disponibiliza informações por estado, apenas por regiões militares.
O anuário mostra ainda que o Brasil tem 2,8 milhões de armas de fogo particulares, 39% mais que em 2020, quando havia pouco mais de 2 milhões de armamentos particulares.
Já em órgãos públicos, como polícias civis e militares, há 384 mil armas, ou seja, há mais armas nas casas das pessoas do que em instituições do Estado.
Segundo o Sinarm, o número de armas registradas no Brasil disparou de 637 mil em 2017 —início da série histórica no anuário— para quase 1,5 milhão em 2021. É um aumento de 133% em quatro anos.
No período, o registro de armas de fogo cresceu em todas as unidades da Federação. Mas foi o Distrito Federal que teve a alta mais significativa, passando de 35,6 mil para 243,8 mil registros, crescimento de 583%.
O aumento generalizado no acesso às armas fez crescer o número de munições comercializadas. Em 2021, foram vendidos 393 milhões de cartuchos, alta de 131% em relação a 2017.
Para especialistas, esses números refletem o discurso armamentista do presidente Bolsonaro. No ano passado, ele editou quatro decretos que facilitaram acesso a armas sob o argumento de que as medidas visavam proteger o cidadão.
Mas Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que estudos científicos já mostram que a flexibilização do acesso às armas tem efeito contrário de aumentar a violência e a insegurança.
Isso porque armas acabam agravando conflitos cotidianos. Uma briga que ficaria em bate-boca pode acabar em morte se parte estiver armada.
O segundo ponto, argumenta ela, é que a presença de armas de fogo em casa aumenta as chances de acidentes, suicídios e violência doméstica.
“O terceiro fator é que a arma de fogo legal migra para a ilegalidade muito rapidamente. Cerca de 40% das armas que as polícias apreendem tinham origem legal”, diz. “É a arma do tal cidadão de bem que vai parar no crime, porque ele perde ou porque é vítima de roubo.”
Pesquisa Datafolha do fim de maio mostra que 7 em cada 10 brasileiros rejeitam as ideias de Bolsonaro na área e discordam da tese que que mais armamentos trazem mais segurança para a população.
Apesar de mais acesso a armas, o número de apreensões caiu 2%. Para a pesquisadora, esse dado chama atenção porque, em tese, o número de apreensões não deveria cair, uma vez que a circulação de armas está em curva ascendente.
“A apreensão normalmente é um indicador de esforço da polícia”, diz ela. “Se o número de apreensões estivesse aumentando, eu poderia dizer que a polícia está mais preocupada em apreender arma. Só que o que a gente tem é o contrário.”
“Cerca de 40% das armas que as polícias apreendem tinham origem legal. É a arma do cidadão de bem que vai parar no crime Isabel Figueiredo integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública