Folha de S.Paulo

Quantas vezes posso pegar Covid?

Resposta depende muito mais de comportame­nto do que de imunidade

- Atila Iamarino Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na universida­de Yale. É divulgador científico no Youtube em seu canal pessoal e no Nerdologia

Infelizmen­te essa resposta vai depender muito mais do seu comportame­nto do que da sua imunidade.

Como escrevi no começo de maio: “na falta de medidas como máscaras, redução de aglomeraçõ­es e mudanças na ventilação de ambientes fechados, a barreira contra o vírus que mantém essa estabilida­de é só a nossa imunidade. E [...] a situação pode estar prestes a mudar”.

O motivo dessa afirmação em maio foi a detecção na África do Sul de novas versões da variante ômicron capazes de infectar novamente quem teve ômicron em janeiro. Por lá, são comuns os casos de pessoas que já estão na segunda, terceira ou quarta infecção recente pelo vírus.

E aqui estamos, no meio de outra onda de Covid causada por essas linhagens no Brasil, com muita gente pegando Covid de novo. Você provavelme­nte conhece várias pessoas que têm ou tiveram Covid recentemen­te, se também não tiver.

Tudo indica que essa reinfecção deve continuar acontecend­o. Temos um gradiente entre infecções que só contraímos uma vez na vida e outras que podemos ter várias vezes.

Em uma ponta estão vírus como o sarampo ou o vírus da varíola humana, contra os quais nossos anticorpos e nossa imunidade celular são suficiente­s para neutraliza­r o patógeno durante décadas ou até pela vida toda.

No outro extremo estão vírus como o HIV, que pode mudar tão rápido que, na falta de tratamento, nosso sistema imune está sempre atrasado e perseguind­o a linhagem errada.

Entre os coronavíru­s que infectam humanos, o Sars-CoV-1, causador do surto de Sars, parece despertar uma imunidade intermediá­ria. Quem teve Sars entre 2002 e 2003 ainda tinha anticorpos capazes de neutraliza­r o vírus por pelo menos um ou dois anos depois. Já entre os coronavíru­s humanos que causam resfriados, como o NL63 e o OC43, a imunidade protetora parece durar menos.

O Sars-CoV-2, causador da Covid, transitou da primeira para a segunda situação. A imunidade contra a linhagem original de Wuhan parecia durar pelo menos seis meses, e os casos de reinfecção eram raros. Mas, conforme ele continuou circulando e evoluindo, adquiriu mutações que o ajudam a escapar da nossa imunidade. Agora, os casos de reinfecção são tão recorrente­s e tão próximos no tempo, que fica difícil saber se a pessoa pegou Covid de novo ou se ainda está com o mesmo vírus.

A ômicron, primeira variante que continua predominan­do em mais de uma onda, desperta uma resposta imune menor do que as anteriores e ainda consegue fugir da resposta imune que já temos. E essa tendência parece ser mais acentuada entre quem pegou Covid antes de se vacinar. Nem as vacinas, nem infecções prévias, nem a própria infecção por ela são suficiente­s para barrar o vírus.

Respondend­o à pergunta que fiz aqui há dois anos, a imunidade contra a Covid não é protetora. Não temos a menor perspectiv­a de imunidade coletiva. Não sabemos quantas vezes seguidas alguém pode ter a doença e os efeitos de infecções repetidas em alguém —bons certamente não são, mas não sabemos quão ruins podem ser.

O que nos traz a uma reversão do que escrevi em maio. Na falta da barreira imune, serão medidas como máscaras, redução de aglomeraçõ­es e mudanças na ventilação que vão prevenir que você tenha Covid novamente. E a dose de reforço é uma excelente forma de evitar que a Covid que você pegar seja grave.

A estimativa mais recente é que mais de 1 milhão de vidas foram salvas no Brasil graças à vacinação contra a Covid, só em 2021. É urgente que possamos estender essa proteção às crianças de menos de cinco anos.

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