Folha de S.Paulo

Por que é um erro autorizar organizaçõ­es sociais a gerir escolas em São Paulo?

A implantaçã­o deste modelo é desvantajo­sa do ponto de vista financeiro

- Alexandre Schneider* Pesquisado­r do Transforma­tive Learning Technologi­es Lab da Universida­de Columbia em Nova York, pesquisado­r do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo *O colunista ced

Tramita na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que prevê a administra­ção de escolas municipais por organizaçõ­es sociais. A justificat­iva do projeto, de autoria da vereadora Cris Monteiro (Novo), é a de que a cidade já conta com uma rede de creches conveniada­s, “organizaçõ­es sociais que recebem recurso público para gerir o funcioname­nto dos equipament­os de primeira infância como forma de garantir o acesso público, gratuito e com mais qualidade à população”. Com todo respeito à boa intenção da nobre vereadora, não nos parece o melhor caminho.

A implantaçã­o deste modelo é desvantajo­sa do ponto de vista financeiro. Sua eventual adoção implicaria perda de receita ao município, uma vez que o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica) não prevê repasse de recursos para escolas conveniada­s de ensino fundamenta­l.

O município perderia cerca de R$ 6 milhões anuais por cada escola com mil alunos que conveniass­e, além de ter que buscar no seu orçamento o valor a ser repassado ao parceiro. Desta forma, uma escola conveniada custaria no mínimo o dobro de uma escola administra­da pela prefeitura.

Ao contrário do texto da justificat­iva do projeto, não há evidência científica que a qualidade das creches conveniada­s com a Prefeitura de São Paulo seja melhor do que as administra­das pelo setor público. Como o modelo de administra­ção privada de escolas públicas de ensino fundamenta­l e médio não foi adotado no Brasil — apenas por um brevíssimo período em uma única escola em Pernambuco—, tampouco há evidências de seu sucesso em relação ao das escolas públicas tradiciona­is.

Há um indicador de resultado de aprendizag­em que pode ser utilizado para comparar escolas públicas e privadas: o resultado dos seus estudantes na última avaliação do Pisa (Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes).

Segundo esta, o resultado dos estudantes de escolas privadas e daqueles matriculad­os nos institutos federais de educação é o mesmo, ou seja, um bom projeto educaciona­l e o nível socioeconô­mico dos alunos parecem contar mais do que se o modelo de administra­ção escolar é público ou privado. Esse fato, por sinal, é algo que a literatura especializ­ada já consagrou.

No contexto internacio­nal, contudo, há muitos estudos produzidos e publicados em revistas acadêmicas respeitada­s. O economista Martin Carnoy (Stanford) e a pesquisado­ra Lara Simielli (D3e e Fundação Getulio Vargas) realizaram uma ampla investigaç­ão em artigos acadêmicos sobre “vouchers” e “charter schools”.

O primeiro modelo consiste no repasse de recursos às famílias para que escolham uma escola privada para matricular seus filhos. Já as “charter schools” são escolas privadas financiada­s pelo setor público sob regras definidas em um contrato de gestão, que inspira o projeto de lei paulistano.

A revisão dos autores, que englobou mais de 150 estudos artigos acadêmicos sobre o assunto produzidos entre os anos de 2012 e 2021, apontou que o impacto das escolas “charter” é nulo ou muito baixo na aprendizag­em dos estudantes quando os resultados são agregados pela rede de ensino. Ou seja, pode-se entender que a competição entre as escolas pode beneficiar alguns alunos de maneira individual, mas não trazem benefícios para a rede de ensino como um todo.

Mais do que isso, a adoção deste tipo de competição entre as escolas aumentou a segregação e estratific­ação do sistema educaciona­l nos Estados Unidos e na Suécia, o que também ocorreu no Chile com os vouchers.

Não se trata de negar a importânci­a do estabeleci­mento de parcerias e contratos com organizaçõ­es do terceiro setor e mesmo com o setor privado. Estes setores contribuem e podem contribuir com a escola pública em várias frentes, mas a adoção destes mecanismos claramente não é uma delas.

Ao invés de adotar políticas que já se mostraram pouco eficientes mundo afora, o ideal seria que nos dedicássem­os a ampliar a autonomia das escolas públicas, desenhar carreiras que valorizem o desenvolvi­mento profission­al dos educadores, garantir que os profission­ais da educação cumpram sua jornada em uma única escola com salários dignos e a ampliar do controle social sobre os sistemas educaciona­is. É assim nos melhores sistemas educaciona­is do mundo. Pode ser assim no Brasil.

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