O vale-night
Não é difícil reconhecer um casal que conseguiu uma noite longe do neném
Faz alguns anos que ouvi falar, pela primeira vez, em valenight.O leitor sem filhos talvez estranhe a expressão anfíbia, meio-brasileira-meio-gringa, minotauro linguístico. Mais natural seria chamarmos de vale-noite, ou de night-voucher. Mas a night não é qualquer noite. O anglicismo designa a noite quando preenchida por alguma expectativa de farra —assim como chamamos de job o trabalho gourmetizado.
O vale-night acontece quando outros responsáveis, voluntários ou remunerados, assumem a guarda da criança por algumas horas e então o casal puérpero ganha esse alvará de soltura pra sair da caverna. Quando a avó (geralmente só ela) topa ficar com a criança até o dia seguinte, trata-se do sonhado vale-morning. Há quem disponha até de vale-weekend. Mas quero me ater aqui ao primeiro indulto do casal puérpero.
Não é difícil reconhecer um casal lançando mão do seu primeiro vale-night. A pele do rosto destoa pela palidez. Suas roupas cheiram a guardado, já não cabem tão bem no corpo. O casal está, no entanto, arrumado: vê-se que faz tempo que sonhava com isso. Olham maravilhados ao seu redor, não sem estranhamento: “Pra ler o cardápio tem que escanear o QR code?”.
O casal corre contra o relógio e tem sempre um olho no celular pra ver se alguém ligou. Ela prefere o drinque ao chope, porque tem pouco tempo pra ficar bêbada. Ele bebe o chope de uma vez só, com a sede de um tuareg. Ela, que parou comocigarro,voltaafumar.Ele, que nunca fumou, tem vontade de começar, só pra saber onde põe as mãos. Tudo ao redor parece estranho. “Quando foi que começaram a combinar biquíni com calça comprida?”, perguntam-se os dois alienígenas.
E então acontece a última coisa que imaginaram que pudesse acontecer. O casal que estava louco pra ficar um tempo longe do bebê, que tanto arquitetou pra conseguir essa fuga, começa a sentir saudades do neném. Ambos procuram o cheiro do bebê em algum canto das suas roupas, feito adictos atrás de um papelote. Tudo degringola quando um deles pega o celular e os dois navegam pelas fotos do recém-nascido, com os olhos encharcados. De repente as horas que os separam do neném parecem séculos. Os quilômetros parecem continentes. Então eles se apressam em pedir a conta e correr de volta pros braços do algoz que os mantinha prisioneiros.
Em casa, percebem que o mundo lá fora nunca estará à altura da ideia do mundo lá fora. Mas logo começam a planejar quando será a próxima decepção.