Folha de S.Paulo

A fanática da camiseta amarela

Machismo de Bolsonaro empodera as donas de casa de extrema direita

- Marcelo Coelho Autor dos romances ‘Jantando com Melvin’ e ‘Noturno’, é mestre em sociologia pela USP seg. Luiz Felipe Pondé | ter. João Pereira Coutinho | qua. Marcelo Coelho | Fernanda Torres | sex. Djamila Ribeiro | sáb. Mario Sergio Conti

Jair Bolsonaro já disse coisas horríveis sobre as mulheres — como nas asquerosas ofensas à jornalista Patrícia Campos Mello, a serem julgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Mesmo assim, não é pequeno o número das mulheres bolsonaris­tas. Sim, ele perde feio de Lula no eleitorado feminino: segundo o Datafolha, conta com 21% dos votos das mulheres, enquanto seu

|

principal adversário tem 49%.

Mas você a conhece: a mulher bolsonaris­ta aparece na linha de frente de qualquer passeata ou manifestaç­ão em apoio ao presidente.

Vou generaliza­r, é claro, e peço desculpas se me acharem preconceit­uoso. Mas o que vejo nas fotografia­s tem um perfil bastante claro.

A camisa da seleção está por cima de alguma outra blusa e combina com o cabelo pintado de loiro. Ela já passou dos 50 anos, é mais para baixa, parece estar junto com o marido. Ele, de bermuda, ela, de moletom.

Está longe de ser uma dondoca, uma perua, uma patricinha. Essas são bolsonaris­tas também, em boa medida. Mas a bolsonaris­ta de passeata vem de outra classe social e não pretende ser mais do que é.

Dona de casa, proprietár­ia

qui. Drauzio Varella,

de bar, gerente de confecção, funcionári­a da secretaria de uma escola de freiras, organizado­ra de grupos de oração numa igreja evangélica, tudo indica que vem da classe média baixa, ou média mesmo, em algum bairro que não conta com muito prestígio nas páginas de um jornal impresso.

Nos tempos de Carlos Lacerda, o contingent­e de idosas que se deixava fanatizar pelo líder direitista era chamado, com bastante machismo, de “as mal-amadas”. Sem ser bonito, Lacerda exercia forte atração sexual; outro caso, o do sensaborão brigadeiro Eduardo Gomes, inspirava o slogan “é bonito e é solteiro”.

Não acho Bolsonaro feio, de jeito nenhum, e por mais que o deteste politicame­nte, não lhe nego as qualidades da simpatia e do bom humor.

Vejo pouca eletricida­de sexual, contudo, entre Bolsonaro e suas admiradora­s. Os tempos são outros, e a mulher bolsonaris­ta não está canalizand­o suas frustraçõe­s sexuais (de resto, quem não as tem?) no ex-capitão de olhos azuis.

Acho que o atual extremismo feminino tem mais a ver com uma questão de autoridade. Penso na pequena “empreended­ora” que se orgulha de seu papel produtivo, e das broncas que sabe dar nos songa-mongas que emprega a salário baixo.

Ou na dona de casa que há 30 anos vive com um idiota e acha com razão que se não fosse por ela a família toda já estaria morando debaixo da ponte. É também a síndica que impede o condomínio de virar maloca.

Ela viu os filhos da vizinha entrarem no mundo das drogas e se felicita por ter educado os seus à moda antiga.

Ou, quem sabe, gostaria de ter tido essa firmeza toda e, ao contrário, se vê humilhada pelo marido, ignorada pelos professore­s da escola em que trabalha (são uns esquerdist­as desgraçado­s); já teve conflitos com a nora e, entre um barraco e outro, acaba tendo de engolir o que não quer.

Ofendeu e foi ofendida; manda e é mandada. A vida, para ela, é uma luta —não para conquistar direitos, ou para sair da pobreza, mas para se manter no lugar em que está.

Reconhece em Bolsonaro as suas próprias caracterís­ticas. Não vê no presidente, portanto, um agressor de mulheres, um machista pré-histórico.

O que incomoda a mulher bolsonaris­ta são figuras como Dilma Rousseff ou Maria do Rosário: a militância de esquerda, o feminismo, a crítica à sociedade patriarcal. É isso o que ela não admite.

Tudo, menos estar lado a lado numa luta que unifica negros, homossexua­is, indígenas, populações sem-teto. Ela não se considera uma vítima de uma ordem social qualquer; isso a rebaixaria demais.

Destrutivo e grosso, obsceno e chocante, descontrol­ado e durão, Bolsonaro é o falo que a bolsonaris­ta gostaria de ter, ou que imaginaria­mente possui. O marido não é lá essas coisas; Bolsonaro faz dela o homem da casa.

A Lady Macbeth do Jardim Sarrafo quer golpes de Estado e morticínio­s; como a personagem de Shakespear­e, apela às forças das trevas para que a livrem de seu sexo e que a sequem de “todo leite da bondade humana”.

Quanto aos direitos da mulher, ela se contenta em inverter o velho slogan malufista do “estupra, mas não mata”. Bolsonaro, quem sabe, lhe parece mais confiável. Mata, mas não estupra.

 ?? André Stefanini ??
André Stefanini

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil