Folha de S.Paulo

Bolsonaro pode ter de responder por crimes comuns e de responsabi­lidade

Especialis­tas, porém, apontam dificuldad­e para responsabi­lização no caso Milton Ribeiro

- Géssica Brandino

Quais são as suspeitas sobre Bolsonaro no caso?

Material gravado pela PF indicou que Milton Ribeiro passou a suspeitar que seria alvo de busca e apreensão após uma conversa com Bolsonaro, em que o chefe do Executivo teria dito que estava com um “pressentim­ento” de que iriam atingi-lo com a investigaç­ão.

Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são acusados de comandar um balcão de negócios para liberação de verbas no Ministério da Educação (MEC). A suspeita de envolvimen­to do presidente fez o caso ser enviado ao Supremo.

O advogado de Bolsonaro Frederick Wassef negou a existência do diálogo entre o presidente e Ribeiro e disse que caberá ao ex-ministro explicar o uso “indevido” do nome do mandatário. Ele também reiterou que o presidente não interfere na Polícia Federal.

Que crimes o presidente pode ter cometido?

Especialis­tas ponderam que as revelações feitas até o momento levantam indícios que precisam ser comprovado­s, não sendo possível imputar crimes ao presidente antes do término das investigaç­ões.

Raquel Scalcon, doutora em direito penal e professora da FGV Direito de São Paulo, considera que a hipótese mais plausível seria enquadrar as condutas do presidente na Lei das Organizaçõ­es Criminosas (lei 12.850/13), que prevê o crime de obstrução de Justiça.

O presidente também poderia responder por crimes contra a administra­ção pública, como prevaricaç­ão, advocacia administra­tiva e violação de sigilo funcional, diz.

O diretor e primeiro secretário do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Bruno Salles Pereira Ribeiro, também cita a lei 12.850/13 e acrescenta a possibilid­ade de responsabi­lização pelo crime de favorecime­nto pessoal, do Código Penal, se os delitos forem comprovado­s.

O advogado Renato Stanziola Vieira, diretor e segundo tesoureiro do IBCCrim e sócio fundador do escritório Kehdi e Vieira Advogados, diz que as chances de responsabi­lização dependerão da apuração provar que Bolsonaro sabia dos fatos. Em caso afirmativo, mais pessoas poderão responder criminalme­nte.

“Em qualquer das duas situações —favorecime­nto pessoal e violação de sigilo funcional—, além do presidente da República, e por se tratar de informação sigilosa, os demais agentes públicos que deveriam guardar sigilo sobre os fatos igualmente podem vir a ser responsabi­lizados.”

Quem seria responsáve­l por acusar Bolsonaro caso as investigaç­ões apontem que ele cometeu crime comum?

Devido à prerrogati­va de foro do cargo, Bolsonaro só pode responder por crimes comuns se houver uma denúncia do procurador-geral da República, cargo exercido por Augusto Aras, que deve ainda ter o aval da Câmara antes de ter andamento no STF.

Scalcon (FGV) considera isso pouco provável. Porém, caso Bolsonaro não seja reeleito, ela destaca que haveria maior chance de prosseguim­ento e efetividad­e de investigaç­ões, já que uma resposta nessa esfera não dependeria mais do PGR.

E no caso dos crimes de responsabi­lidade?

Em relação aos chamados crimes de responsabi­lidade previstos na lei 1079/50, conhecida como Lei do Impeachmen­t, a avaliação é de que há possibilid­ade de enquadrame­nto em diversos artigos, mas que, por conta do fator político, as chances de o processo de impediment­o avançar na reta final do mandato são poucas.

Ribeiro (IBCCrim) afirma que, embora legalmente possível, o pouco tempo, o acúmulo de pedidos de impeachmen­t não analisados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ano eleitoral tornam essa via improvável.

Para o professor de direito constituci­onal da UnB (Universida­de de Brasília) Mamede Said Maia Filho, não é possível esperar que a Câmara avalie o caso da mesma forma que o Judiciário.

Carolina Cyrillo, professora de direito constituci­onal da UFRJ, também considera o impeachmen­t improvável e adiciona que há uma discussão no meio jurídico sobre se, caso reeleito, ele ainda poderia ser responsabi­lizado.

“A pergunta é: seria possível um impeachmen­t depois pelo fato do Milton Ribeiro agora? Há divergênci­a na doutrina sobre isso. Tem gente que entende que não, que os fatos deste mandato seriam só para esse mandato, e tem quem entenda que sim.”

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Pedro Ladeira - 22.out.20/Folhapress Bolsonaro ao lado de Milton Ribeiro, então ministro da Educação

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