Bolsonaro pode ter de responder por crimes comuns e de responsabilidade
Especialistas, porém, apontam dificuldade para responsabilização no caso Milton Ribeiro
Quais são as suspeitas sobre Bolsonaro no caso?
Material gravado pela PF indicou que Milton Ribeiro passou a suspeitar que seria alvo de busca e apreensão após uma conversa com Bolsonaro, em que o chefe do Executivo teria dito que estava com um “pressentimento” de que iriam atingi-lo com a investigação.
Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura são acusados de comandar um balcão de negócios para liberação de verbas no Ministério da Educação (MEC). A suspeita de envolvimento do presidente fez o caso ser enviado ao Supremo.
O advogado de Bolsonaro Frederick Wassef negou a existência do diálogo entre o presidente e Ribeiro e disse que caberá ao ex-ministro explicar o uso “indevido” do nome do mandatário. Ele também reiterou que o presidente não interfere na Polícia Federal.
Que crimes o presidente pode ter cometido?
Especialistas ponderam que as revelações feitas até o momento levantam indícios que precisam ser comprovados, não sendo possível imputar crimes ao presidente antes do término das investigações.
Raquel Scalcon, doutora em direito penal e professora da FGV Direito de São Paulo, considera que a hipótese mais plausível seria enquadrar as condutas do presidente na Lei das Organizações Criminosas (lei 12.850/13), que prevê o crime de obstrução de Justiça.
O presidente também poderia responder por crimes contra a administração pública, como prevaricação, advocacia administrativa e violação de sigilo funcional, diz.
O diretor e primeiro secretário do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Bruno Salles Pereira Ribeiro, também cita a lei 12.850/13 e acrescenta a possibilidade de responsabilização pelo crime de favorecimento pessoal, do Código Penal, se os delitos forem comprovados.
O advogado Renato Stanziola Vieira, diretor e segundo tesoureiro do IBCCrim e sócio fundador do escritório Kehdi e Vieira Advogados, diz que as chances de responsabilização dependerão da apuração provar que Bolsonaro sabia dos fatos. Em caso afirmativo, mais pessoas poderão responder criminalmente.
“Em qualquer das duas situações —favorecimento pessoal e violação de sigilo funcional—, além do presidente da República, e por se tratar de informação sigilosa, os demais agentes públicos que deveriam guardar sigilo sobre os fatos igualmente podem vir a ser responsabilizados.”
Quem seria responsável por acusar Bolsonaro caso as investigações apontem que ele cometeu crime comum?
Devido à prerrogativa de foro do cargo, Bolsonaro só pode responder por crimes comuns se houver uma denúncia do procurador-geral da República, cargo exercido por Augusto Aras, que deve ainda ter o aval da Câmara antes de ter andamento no STF.
Scalcon (FGV) considera isso pouco provável. Porém, caso Bolsonaro não seja reeleito, ela destaca que haveria maior chance de prosseguimento e efetividade de investigações, já que uma resposta nessa esfera não dependeria mais do PGR.
E no caso dos crimes de responsabilidade?
Em relação aos chamados crimes de responsabilidade previstos na lei 1079/50, conhecida como Lei do Impeachment, a avaliação é de que há possibilidade de enquadramento em diversos artigos, mas que, por conta do fator político, as chances de o processo de impedimento avançar na reta final do mandato são poucas.
Ribeiro (IBCCrim) afirma que, embora legalmente possível, o pouco tempo, o acúmulo de pedidos de impeachment não analisados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ano eleitoral tornam essa via improvável.
Para o professor de direito constitucional da UnB (Universidade de Brasília) Mamede Said Maia Filho, não é possível esperar que a Câmara avalie o caso da mesma forma que o Judiciário.
Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional da UFRJ, também considera o impeachment improvável e adiciona que há uma discussão no meio jurídico sobre se, caso reeleito, ele ainda poderia ser responsabilizado.
“A pergunta é: seria possível um impeachment depois pelo fato do Milton Ribeiro agora? Há divergência na doutrina sobre isso. Tem gente que entende que não, que os fatos deste mandato seriam só para esse mandato, e tem quem entenda que sim.”