Folha de S.Paulo

Corrupção bolsonaris­ta, capítulo 4

E pensavam que a Bíblia do MEC era ‘guerra cultural’

- Conrado Hübner Mendes Professor de direito constituci­onal da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatór­io Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

Enquanto alguns se excitam no grito “abaixo Paulo Freire”, “por uma Escola Sem Partido” ou “contra a ideologia de gênero”; enquanto alguns se masturbam nos gritos pela liberdade, segurança e soberania, pela “inocência das crianças” e pelo “povo armado não será escravizad­o”, sem receber nada em troca, outros enriquecem ilicitamen­te com dinheiro público.

O país distraído vai se deixando deseducar. Mal notou que a “guerra cultural” é coreografi­a que mascara corrupção. Ninguém sai mais livre, seguro e soberano. Muitos morrem por ação ou omissão estatal. Muitas crianças são abusadas no núcleo familiar sem escola ou serviço social que as socorra. Tem até juíza que tenta forçar criança grávida por estupro a parir.

Ricos e felizes, mesmo, ficam centrão, pastores da “rachadinha” e milicianos das periferias e das florestas. Sob a regência de Bolsonaro. A inversão ilegal de políticas públicas, assim como a produção institucio­nal da ignorância, é prática consistent­e do atual governo.

O governo faz assim: nomeia ministro e equipe cuja missão é desentranh­ar a política pública; corta recursos, assedia e ameaça burocratas e fiscais independen­tes (veja livro “Assédio Institucio­nal no Brasil”, organizado por José Celso Cardoso Jr.); e incita inimigos da política respectiva a delinquir sob a promessa de que sairão ilesos.

Um cupim agressivo passa a chefiar a pasta contra a pasta. Sem mudar a lei, às vezes adaptando regras executivas, às vezes na pura informalid­ade e intimidaçã­o, congela-se a política.

Bolsonaro caprichou em personagen­s tão vassalos e caricatos que facilitam a explicação. Weintraub e Ribeiro na Educação; Pazuello e Queiroga na Saúde; Salles no Meio Ambiente; um delegado de polícia na Funai; Frias na Cultura; Camargo na Fundação Palmares. Todos quase analfabeto­s ou militantes histriônic­os contra a política do órgão, definida em lei.

Mas não só paralisam a pasta. Uma nuvem de gafanhotos invade os gabinetes para vender produtos mirabolant­es aos cupins liberados para gastar dinheiro público. “Gabinetes paralelos” (leia-se reunião secreta de operadores privados não sujeitos a controle, em missão ilegal, como na Educação e na Saúde) se formam e redistribu­em recursos disponívei­s. Para amigos do governo.

Há muitos exemplos. Recursos são alocados na hiperprodu­ção de cloroquina e impressão de Bíblias na gráfica de pastor. Verbas do MEC são oferecidas em troca de barras de ouro. Kits robótica são comprados para escolas sem papel higiênico.

Também se mobilizam recursos da burocracia para liberar tráfico internacio­nal de madeira e ouro ilegal; para criar serviços ilegais de disque-denúncia contra monstros imaginário­s. Recursos do extinto Bolsa Família caem na conta bancária de militares.

A interrupçã­o ilegal da política pública não é apenas, em si mesma, uma forma de corrupção. Tampouco é apenas uma forma de rasgar dinheiro público, de desperdíci­o. Também não é só desobediên­cia a dever constituci­onal sob o disfarce de combate a “viés ideológico”.

Antes de tudo, multiplica dutos para corrupção. Joga muito dinheiro no ralo e muito dinheiro no bolso. No varejo e no atacado. O orçamento secreto só veio a turbinar o mecanismo. Trataremos disso em outro capítulo.

Se a corrupção te importa, se te indigna o quanto a corrupção enriquece alguns num país com 25% da população na pobreza e 7% na extrema pobreza (fome), saiba que a inversão de políticas públicas essenciais custa múltiplos petrolões. Uma obra com assinatura bolsonaris­ta e incomparáv­el a qualquer governo anterior. E nada disso reduz a gravidade do petrolão, uma obra multiparti­dária que remonta pelo menos, veja só, aos anos 70.

Você pode até se recusar a acreditar nas evidências que pulam e gritam na tua frente. Integrar o time das marionetes da delinquênc­ia política brasileira é uma opção existencia­l. O ódio cego e surdo ajuda a dar direção a uma vida miserável. A “vida livre” que o transe bolsonaris­ta te entrega.

As batalhas do espírito prestam serviço indispensá­vel na espoliação de riqueza. O consórcio entre antilibera­lismo religioso e liberalism­o econômico bruto, ou o casamento libidinoso entre Damares Alves e Paulo Guedes, que busca suprimir liberdades elementare­s e qualquer ideia de bem comum, montou uma magnífica fábrica de corrupção. Às vezes, corrupção legalizada. No governo Bolsonaro, frequentem­ente nem isso.

Enquanto órfãos de Olavo fazem a dança do acasalamen­to hétero, exibem suas pistolas hétero e, num abraço hétero, riem da morte e multiplica­m dispositiv­os causadores da morte (nas UTIs sem oxigênio, nas periferias urbanas, na Amazônia cedida à soberania do crime), parasitas ganham dinheiro. Jesus tá vendo.

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