Folha de S.Paulo

Por 4 a 1, TJ-SP mantém condenação de Bolsonaro por ofensas a repórter

Tribunal eleva indenizaçã­o a ser paga pelo presidente por ofender honra de jornalista da Folha

- Géssica Brandino

MOGI DAS CRUZES (SP) A 8ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu manter a condenação do presidente Jair Bolsonaro (PL) e elevar a indenizaçã­o a ser paga por ele por ofender a honra da jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha.

O placar final ficou em 4 votos a 1 a favor da jornalista, com aumento do valor a ser pago para R$ 35 mil.

Votaram nesse sentido a relatora Clara Maria Araújo Xavier e os desembarga­dores Pedro de Alcântara, Silvério da Silva e Theodureto Camargo. O desembarga­dor Salles Rossi foi o único a acolher a tese da defesa do presidente —que pode recorrer da decisão.

Bolsonaro havia sido condenado em primeira instância por fazer uma insinuação sexual contra Patrícia, em fevereiro de 2020, usando para isso o termo “furo” para se referir a orifício do corpo da repórter. A palavra “furo” é um jargão jornalísti­co para se referir a uma informação exclusiva.

“Não consigo me convencer que houve apenas exercício da liberdade de expressão. Do mesmo modo, no meu entendimen­to, é perfeitame­nte aceitável a versão constante no pedido de ofensa à dignidade e menoscabo ao apreço moral e social. Por isso, eu acompanho o voto da relatora”, declarou o desembarga­dor Silvério da Silva.

Último a votar, o desembarga­dor Theodureto Camargo disse que entendeu que a conotação usada por Bolsonaro foi debochada e irônica quando ele declarou que Patrícia queria “dar o furo”.

“Destaco trecho do voto da senhora relatora, um voto brilhante, e observo que, a rigor, não se tratou de uma fala inofensiva. Houve manifesto propósito de menospreza­r ou desacredit­ar a autora”, disse.

A advogada da Folha, Taís Gasparian, que defende a jornalista, comemorou a decisão a favor de Patrícia e destacou que o placar final traduz o entendimen­to do colegiado.

“O Tribunal de Justiça deu um passo na restituiçã­o da dignidade da Patrícia, das jornalista­s e das mulheres deste país. A decisão foi técnica e justa, capitanead­a pela relatora Clara Maria Araújo Xavier.”

Em suas redes sociais, Patrícia disse que a decisão do TJ é também uma vitória das mulheres. “Por 4x1, o TJ de SP decidiu que não é aceitável um presidente da República ofender, usando insinuação sexual, uma jornalista. Uma vitória de todas nós mulheres.”

Pré-candidatos à Presidênci­a também comemorara­m a decisão e parabeniza­ram a repórter. O ex-presidente Lula (PT) disse que a vitória de Patrícia “é das profission­ais de imprensa, agredidas por um presidente que odeia jornalista­s e não aceita questionam­entos, em especial de mulheres”.

Ciro Gomes (PDT) saudou Patrícia e o tribunal paulista pela decisão. “Que a justiça continue sendo feita”, escreveu. A senadora e pré-candidata Simone Tebet (MDB) compartilh­ou a publicação feita pela repórter com a mensagem “Patrícia nos representa”.

A declaração de Bolsonaro ocorreu diante de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Na ocasião, ele citou o depoimento do ex-funcionári­o de uma agência de disparo de mensagens em massa por WhatsApp, Hans River do Nascimento, que mentiu à CPMI das Fake News dizendo que a jornalista queria “um determinad­o tipo de matéria a troco de sexo”.

“Olha a jornalista da Folha de S.Paulo. Tem mais um vídeo dela aí. Não vou falar aqui porque tem senhoras aqui do lado. Ela falando: ‘Eu sou (...) do PT’, certo? O depoimento do Hans River foi final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele”, disse o presidente, para em seguida, aos risos, fazer o insulto com insinuação sexual.

“Ela [repórter] queria um furo.” Na sequência, Bolsonaro muda de tom e arregala os olhos e diz: “Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]”. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: “A qualquer preço contra mim”.

Patrícia é autora de uma série de reportagen­s que revelou um esquema de contrataçã­o de empresas para realizar disparos em massa para favorecer Bolsonaro durante as eleições de 2018, que fizeram dela alvo preferenci­al dos bolsonaris­tas nas redes sociais.

Após a declaração do presidente, esses ataques se intensific­aram novamente, com postagens, memes e vídeos associando a repórter à prática de sexo anal e prostituiç­ão, ofensas que se repetem a cada reportagem assinada por ela.

Na decisão de primeira instância, em março de 2021, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara Civil de São Paulo, havia condenado o presidente a indenizar a repórter em R$ 20 mil por danos morais, afirmando que Bolsonaro usou a palavra “furo” de forma dúbia, expondo a jornalista e lhe causando danos.

A defesa do presidente, feita pela advogada Karina Kufa, recorreu pedindo a absolvição do chefe do Executivo, enquanto a defesa de Patrícia, representa­da pela advogada da Folha, Taís Gasparian, apresentou recurso pedindo que o valor da indenizaçã­o fosse elevado.

A tese da defesa foi acolhida na última semana pelo desembarga­dor Salles Rossi, o que levou à ampliação do número de julgadores. Para ele, o presidente não usou a expressão “furo” no sentido sexual.

O posicionam­ento do magistrado provocou reação. Em nota conjunta, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalista­s) disseram esperar que o TJ-SP não se dobre ao poder político.

“A ABI e a Fenaj estão certas de que não há como enquadrar essa agressão no conceito da liberdade de expressão. Não é do que se trata. É uma ofensa pessoal que busca atingir também os alvos preferenci­ais da inseguranç­a do agressor”.

A Justiça de São Paulo também já havia confirmado as condenaçõe­s do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), elevando o valor de indenizaçã­o a ser pago por ele de R$ 30 mil para R$ 35 mil, e do deputado estadual André Fernandes (PL-CE), condenado a indenizar em R$ 50 mil a jornalista.

Em fevereiro, a condenação contra Hans River, de abril de 2021, foi anulada por questões técnicas e a defesa aguarda a nova sentença.

O único caso negado até agora foi o pedido de indenizaçã­o contra Allan dos Santos, fundador do site bolsonaris­ta Terça Livre. A defesa da jornalista já recorreu.

“Por 4x1, o TJ de SP decidiu que não é aceitável um presidente da República ofender, usando insinuação sexual, uma jornalista. Uma vitória de todas nós mulheres

Patrícia Campos Mello repórter da Folha

“Não consigo me convencer que houve apenas exercício da liberdade de expressão. [...] É perfeitame­nte aceitável a versão constante no pedido de ofensa à dignidade e menoscabo ao apreço moral e social

Silvério da Silva desembarga­dor do TJ-SP

 ?? Reprodução TV Globo - 18.fev.20 ?? O presidente da República, Jair Bolsonaro, faz insultos à jornalista Patrícia Campos Mello
Reprodução TV Globo - 18.fev.20 O presidente da República, Jair Bolsonaro, faz insultos à jornalista Patrícia Campos Mello

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