Folha de S.Paulo

Áñez recusa oferta de asilo no Brasil feita por Bolsonaro

Ex-líder da Bolívia foi condenada a 10 anos de prisão por tramar golpe em 2019

- Márcio Resende

buenos aires | rfi O presidente Jair Bolsonaro enfureceu o governo da Bolívia ao oferecer asilo a Jeanine Áñez no último domingo (26). A exchefe de Estado foi condenada a dez anos de prisão no início deste mês por assumir a Presidênci­a do país irregularm­ente, depois da renúncia de Evo Morales, em 2019.

Áñez está detida em uma penitenciá­ria feminina em La Paz desde março de 2021. Por meio das redes sociais, administra­das por parentes dela, a ex-presidente boliviana agradeceu a Bolsonaro na terça (28). No Twitter, ela ressaltou que “é inocente” e que “não saiu nem sairá do país”.

A ex-chefe de Estado também voltou a afirmar que “não conheceu Bolsonaro pessoalmen­te”, embora o presidente brasileiro tenha afirmado que se encontrou com ela. “Estive uma vez com ela apenas. Achei uma pessoa bastante simpática, uma mulher, acima de tudo”, ele declarou.

Esse contrapont­o tem sido usado pelo governo boliviano para concluir que a renúncia do então presidente Evo Morales, em novembro de 2019, foi um golpe de Estado arquitetad­o com a cumplicida­de de agentes externos. Dessa suposta conspiraçã­o internacio­nal teriam participad­o, de acordo com os aliados de Evo Morales, o Brasil, o Equador, a União Europeia e os EUA.

“Compartilh­amos as preocupaçõ­es da ONU quanto ao devido processo de Jeanine Áñez”, insistiu, na terça, o secretário-adjunto para o Hemisfério Ocidental do Departamen­to de Estado dos EUA, Brian Nichols, em referência aos questionam­entos das Nações Unidas sobre a independên­cia da Justiça boliviana.

O governo boliviano afirmou que é “absolutame­nte impertinen­te” o plano de Bolsonaro

de conceder asilo a Áñez. Legislador­es governista­s acrescenta­m que a ideia não cumpre com os requisitos internacio­nais e reforça a acusação de que o líder brasileiro teria sido cúmplice do processo que levou Áñez ao poder.

O ministro das Relações Exteriores da Bolívia, Rogelio Mayta, classifico­u a proposta de Bolsonaro de “inapropria­da ingerência em assuntos internos”. “Lamentamos as desafortun­adas declaraçõe­s do presidente do Brasil, que são absolutame­nte impertinen­tes, constituem uma inapropria­da ingerência em assuntos internos, não respeitam as formas de relacionam­ento entre Estados e não coincidem com as relações de boa vizinhança e de respeito mútuo entre Brasil e Bolívia.”

No domingo (26), durante uma entrevista ao programa “4 x 4”, transmitid­o pela internet, Bolsonaro revelou o plano de acolher a ex-presidente boliviana, condenada no último dia 10 de junho a dez anos de prisão sob a acusação de não cumprir com deveres e tomar decisões contrárias à Constituiç­ão e às leis.

Em menção a outro processo, em que Áñez é acusada de sedição, terrorismo, levante armado e genocídio, o chanceler disse haver “indícios de que ela também cometeu crimes de lesa humanidade”.

Mayta afirmou ainda que o governo da Bolívia abrirá um processo contra o Brasil. “Já trabalhamo­s nessa queixa. Vamos cumprir com as regras do relacionam­ento internacio­nal e, nesse caso, o correto é fazermos uma reclamação diplomátic­a”, apontou o ministro.

Pelo lado dos legislador­es governista­s, o presidente da Câmara de Deputados, Freddy Mamani, interpreto­u que “a proposta de Bolsonaro confirma a sua cumplicida­de no golpe de Estado de 2019”. “Estamos vendo, aos poucos, como todo o plano de um golpe de Estado fica visível. Sabíamos que esse golpe não era só interno, mas também externo.”

Para conceder o asilo, Bolsonaro disse que o processo dependeria do consentime­nto do governo boliviano. Disse, ainda, que conversou sobre o assunto com alguns líderes da América Latina durante a Cúpula das Américas, citando o argentino Alberto Fernández, aliado do atual governo da Bolívia.

Bolsonaro também afirmou que Lula é “hipócrita” por não condenar a sentença contra Áñez. “O ex-presidente [Evo Morales] e o atual [Luis Arce] são amigos do Lula, e ele não diz absolutame­nte nada sobre esse caso”, disse o presidente.

A então senadora Jeanine Áñez assumiu a Presidênci­a da Bolívia em 12 de novembro de 2019, depois da renúncia de Evo, acusado de fraude durante as eleições, numa época em que o país vivia convulsão social.

Ao deixar o cargo, ele denunciou um golpe, e toda a linha sucessória —vice, presidente do Senado e presidente da Câmara—, pertencent­e a seu partido, também renunciou. Áñez era a seguinte nessa linha, e a posse dela foi validada pelo Supremo Tribunal. O Brasil reconheceu sua legitimida­de.

Como presidente interina, ela ficou um ano no poder, até que Luis Arce, candidato de Evo, ganhou as eleições. Em março de 2021, a ex-senadora foi presa preventiva­mente até ser condenada em 10 de junho.

Também foram condenados os ex-comandante­s das Forças Armadas e da polícia, que estão foragidos. “Se estiverem no Brasil, não vão sair daqui”, afirmou Bolsonaro, estendendo a oferta de asilo.

“Lamentamos as desafortun­adas declaraçõe­s do presidente do Brasil [ao oferecer asilo para Áñez], que são absolutame­nte impertinen­tes, constituem uma inapropria­da ingerência em assuntos internos e não respeitam as formas de relacionam­ento entre Estados

Rogelio Mayta chanceler boliviano

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