Folha de S.Paulo

Executivo fez de banco máquina de boas notícias e colecionou desavenças

Pedro Guimarães, que pretendia disputar a vaga de vice na chapa de Bolsonaro, era presença frequente nas lives de quinta-feira

- Julio Wiziack

brasÍlia Em três anos de gestão na Caixa, Pedro Guimarães transformo­u o banco em uma máquina de promoção de “boas notícias” para o governo na mesma velocidade com que colecionou acusações de assédio sexual e desavenças no comando da instituiçã­o.

Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2019, Guimarães implemento­u uma agenda reformista e não se cansava de criticar a gestão petista, que, segundo ele, conduziu o banco a negócios duvidosos marcados por corrupção e prejuízos.

Chegou a colecionar desafetos na Funcef, o bilionário fundo de pensão dos funcionári­os do banco, por mexer na governança da instituiçã­o para promover “uma limpeza”, como dizia internamen­te, sem temer o risco de sofrer ações judiciais e processos juntos a órgãos de controle.

No primeiro ano, vendeu R$ 15,5 bilhões em ativos da Caixa, melhorando o balanço, que saltou para um lucro de R$ 14,7 bilhões. Em 2021, ele apresentou um resultado ainda maior (R$ 17,3 bilhões).

Boa parte desse desempenho se deve à venda de ativos considerad­os por Guimarães como “tóxicos”, que nada tinham a ver com a “natureza do banco”, em sua visão. Desde então, ele passou a enquadrar as medidas adotadas como “matemática­s”.

“Se fizerem sentido para o banco, se derem lucro, serão considerad­as”, dizia Guimarães. “A Caixa é o banco do Excel [programa usado para planilhar dados].”

Tornou-se próximo de Bolsonaro e da família do presidente ainda antes da eleição, segundo relatos de quem coordenou a campanha.

Amigos dizem que, ainda como sócio do banco Plural, última instituiçã­o por onde passou antes de ingressar no governo, Guimarães agendou conversas com empresário­s e financista­s no Brasil e nos EUA para apresentar Bolsonaro, então presidenci­ável.

Ainda segundo relatos, inicialmen­te, Guimarães chegou a ser cogitado para coordenar a Economia, então sob os cuidados do hoje ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida.

Com a chegada de Paulo Guedes à equipe, Guimarães passou a se debruçar sobre a

Caixa, interessad­o em apresentar um plano para transforma­r a instituiçã­o em um banco de ponta e prepará-lo para a abertura de capital. Seu plano era, naquele momento, se tornar presidente da instituiçã­o, o que ocorreu.

Durante a pandemia, o executivo percebeu uma oportunida­de de negócio para a Caixa e convenceu Bolsonaro a centraliza­r o pagamento do auxílio emergencia­l em um aplicativo desenvolvi­do pela instituiçã­o. Inicialmen­te, o Banco do Brasil também participar­ia.

Posteriorm­ente, outros benefícios concedidos pelo governo durante a pandemia também passaram a ser pagos pelo aplicativo da Caixa.

O sucesso levou Guimarães a pedir ao Banco Central autorizaçã­o para a abertura de um banco digital controlado pela Caixa que, futurament­e, teria ações negociadas na Bolsa.

O coração desse banco seriam os clientes de baixa renda reunidos pela Caixa no aplicativo. O executivo acredita ser possível levantar R$ 50 bilhões com essa operação. O negócio ainda aguarda aval do BC.

Ao centraliza­r o pagamento dos benefícios do governo, a Caixa passou a defender Bolsonaro, que enfrentou críticas diante de sua postura negacionis­ta em relação à letalidade do coronavíru­s e à necessidad­e de distanciam­ento social.

A defesa do governo levou Guimarães a convencer o BB e a Caixa a deixar a Febraban, a federação dos bancos, caso a entidade publicasse um manifesto que, em suma, criticava os ataques de Bolsonaro ao STF.

Esse alinhament­o ideológico com Bolsonaro o aproximou ainda mais do presidente. Guimarães se tornou figura frequente nas transmissõ­es de quintas-feiras realizadas pelo presidente.

Em uma delas, em que Bolsonaro falava sobre armamento da população, Guimarães afirmou ter 15 armas e que mataria, caso tivesse uma filha presa em um camburão.

Internamen­te, Guimarães tentava imprimir seu estilo de gestão aos servidores. No final do ano passado, obrigou executivos a fazer flexões e dar estrelas, como ginastas olímpicos, durante o Nação Caixa, evento anual do banco, realizado no interior de São Paulo.

O assédio foi gravado por funcionári­os, e o vídeo, espalhado por integrante­s do sindicato dos bancários e publicado pelo portal Metrópoles.

Além da faxina interna, como Guimarães costuma definir sua gestão, o executivo passou a promover visitas semanais às agências do banco.

Nas contas da Caixa em redes sociais, são comuns as publicaçõe­s que destacam a atuação do presidente do banco, com imagens e textos de suas declaraçõe­s, viagens, aparições em agências bancárias e vistorias em obras, além de outras atividades inusitadas.

O banco já publicou, por exemplo, fotos do executivo dentro do lixão de Cuiabá e sujo de lama dentro de um mangue na Bahia, acompanhad­o de pescadores.

Entre as dezenas de viagens, o presidente da Caixa também inaugurou empreendim­entos de infraestru­tura, participou de apresentaç­ões musicais e visitou empresas. Sua ideia, segundo assessores do Planalto, era disputar a vaga de vice na chapa com Bolsonaro.

As suspeitas de assédio sexual na Caixa começaram já em 2019. Segundo relatos de funcionári­os ouvidos sob anonimato, um segurança chegou a ser demitido por ter flagrado Guimarães em “situação imprópria” com uma servidora do banco no estacionam­ento privativo da Caixa, localizado no subsolo da instituiçã­o, em Brasília.

Os casos, no entanto, não surpreende­m antigos colegas de trabalho. Esses colegas, que não quiseram ter seus nomes revelados, disseram que o executivo se envolveu em outros episódios de assédio no passado, motivo para sua saída de bancos como o Santander e até do BTG Pactual.

Somando-se a “crenças e práticas inusuais”, Pedro Guimarães passou a ser chamado pelos colegas de mercado como “Pedro Maluco” —apelido que também foi adotado pelos integrante­s do governo no Palácio do Planalto.

Guimarães, 51, é casado há 20 anos com Manuella, filha do empreiteir­o da OAS, Leo Pinheiro, e tem dois filhos.

Sempre tentou se afastar da figura do sogro, preso na Lava Jato e cuja delação premiada foi um fator decisivo para a prisão de Lula —episódio que criou condições para a chegada de Bolsonaro ao poder.

A Folha tentou contato direto com Guimarães desde terça-feira, mas o executivo não respondeu.

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Ueslei Marcelino - 17.mar.20/Reuters Pedro Guimarães, então presidente da Caixa, em cerimônia com Jair Bolsonaro

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