Folha de S.Paulo

Relator resgata PEC Camicase para tentar blindar governo

Texto que substitui PEC dos Combustíve­is não tem assinatura de líder no Senado

- Lucas Marchesini e Renato Machado

brasília O Senado decidiu abandonar completame­nte a PEC dos Combustíve­is e resgatar em seu lugar a chamada PEC Camicase, para conceder benefícios que terão um custo extra de R$ 38,75 bilhões.

A troca poderia blindar o governo Jair Bolsonaro (PL) de questionam­entos jurídicos por conceder novos benefícios em ano de eleição, o que seria uma infração da legislação eleitoral.

A PEC dos Combustíve­is (PEC 16) foi proposta pelo líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), enquanto a PEC Camicase (PEC 1) é de autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) e Alexandre Silveira (PSD-MG).

Pelas medidas transferid­as agora para a PEC Camicase, o governo pretende destravar programas sociais, identifica­dos pela campanha de Bolsonaro como fundamenta­is para recuperar a desvantage­m nas pesquisas de intenção de voto para presidente, liderada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O principal alvo é zerar a fila do programa Auxílio Brasil, além de aumentar para R$ 600 o valor do benefício neste ano. Para permitir a elevação de gastos em ano eleitoral, a estratégia será decretar estado de emergência.

A decretação é necessária do ponto de vista legal para criar um programa novo, que é o auxílio para os caminhonei­ros autônomos. O programa pagará R$ 1.000 para os transporta­dores autônomos cadastrado­s na ANTT (Agência Nacional de Transporte­s Terrestres) até 31 de maio. O custo é de R$ 5,4 bilhões.

Serão beneficiad­os cerca de 870 mil profission­ais, registrado­s até a data de corte de 31 de maio. O relator decidiu não incluir na proposta o pagamento também para caminhonei­ros ligados a transporta­doras, como chegou a ser discutido.

O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que era o relator da PEC dos Combustíve­is e vai relatar o novo texto, afirmou que a decretação de emergência vai valer apenas para os benefícios previstos na proposta de emenda e que não será um “cheque em branco”.

Segundo ele, a mudança foi articulada com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A votação era esperada para esta quarta (29), mas os senadores não se convencera­m de que o texto não se configurar­ia em um cheque em branco para o governo. Por isso, pediram e obtiveram o adiamento da votação da proposta, prevista agora para esta quinta-feira (30).

O ponto mais polêmico estabeleci­a que as medidas não estariam sujeitas a “qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza”.

Durante a sessão em que ocorreria a votação, muitos senadores protestara­m e o relator concordou em retirar o dispositiv­o. Mesmo assim, ainda havia dúvidas sobre a falta de restrições e por isso houve o adiamento.

“Me parece, pelos pronunciam­entos, que todos concordam com as medidas que estão sendo colocadas, desde que haja segurança em relação a não se tratar de um cheque em branco que seja expressão pura de irresponsa­bilidade fiscal, o que não faríamos no Senado Federal”, afirmou Pacheco, ao decidir pelo adiamento.

A PEC dos Combustíve­is previa inicialmen­te repasses de R$ 29,6 bilhões em compensaçã­o para estados que optassem por zerar as alíquotas de tributos sobre os combustíve­is.

Na semana passada, no entanto, governo e lideranças do Senado começaram a articular a transforma­ção da proposta, em um pacote de benefícios. O principal argumento era a falta de sinalizaçã­o por parte dos estados de que reduziriam os impostos para obter a compensaçã­o.

A PEC 1, por sua vez, havia sido apresentad­a em fevereiro para tentar socorrer os profission­ais impactados com a alta dos preços dos combustíve­is. Ela passou a ser chamada de Camicase porque seu impacto seria superior a R$ 100 bilhões.

O relatório de Bezerra será, portanto, atrelado à PEC 1, mas ele vai apresentar um novo texto —chamado de substituti­vo, no processo legislativ­o— e que, portanto, não vai conter as medidas previstas na PEC Camicase.

“A PEC 16 perdeu seus objetivos. Analisando a apresentaç­ão de outras matérias conexas, se identifico­u que a PEC 1 do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) e Alexandre Silveira (PSD-MG) tinha mais a ver com o espírito que hoje domina dentro do Senado, que é o da concessão desses benefícios”, afirmou Bezerra.

O maior gasto dentro das medidas anunciadas é o de zerar a fila do Auxílio Brasil e aumentar em R$ 200 o valor do benefício até o fim do ano. Com isso, 1,6 milhão de famílias passarão a ser atendidas pelo programa turbinado. O custo total é de R$ 26 bilhões.

A PEC também dobra o valor do auxílio-gás, que passa a ser de R$ 120 a cada dois meses. Até o momento, ele é cerca de R$ 60 por bimestre. O custo da medida é de R$ 1,05 bilhão.

Outros R$ 2,5 bilhões vão para a gratuidade para idosos no transporte municipal e os R$ 3,8 bilhões foram reservados para que estados produtores de etanol possam compensar desoneraçõ­es no combustíve­l.

O Senado já aprovou no início deste ano proposta prevendo a gratuidade no transporte público municipal. Na ocasião, prefeitos diziam que a medida era vista como essencial para evitar o “tarifaço”, o reajuste da tarifa de transporte­s.

A proposta, no entanto, acabou engavetada pela Câmara dos Deputados. Além do transporte urbano e metropolit­ano, o montante contempla repasses também para os sistemas de transporte público semiurbano, inclusive o existente entre municípios de uma mesma Ride (Região Integrada de Desenvolvi­mento Econômico), como o existente no entorno do Distrito Federal.

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