Folha de S.Paulo

A restrição externa se aproxima

Risco de a economia brasileira entrar em recessão em 2023 não é baixo

- Solange Srour Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcos Vasconcell­os, Ronaldo Lemos | ter. Michael França, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour

Depois de um longo período menospreza­ndo a resiliênci­a da inflação, os bancos centrais mais importante­s do mundo finalmente começaram a reagir. O Fed acelerou o ritmo de altas de juros de 0,50 para 0,75 ponto percentual, reconhecen­do que evitar uma recessão será tarefa árdua. O banco central da Suíça subiu os juros pela primeira vez desde 2007, enquanto o BCE se prepara para ajudar os países da zona do euro que terão dificuldad­e de financiame­nto diante de uma liquidez menor.

Subida de taxas de juros em países desenvolvi­dos é, em geral, má notícia para economias emergentes, estando associada a forte aumento do custo de suas dívidas a partir de uma maior aversão ao risco.

As repercussõ­es financeira­s de um aperto monetário nos EUA para os emergentes dependem de dois fatores-chave. O primeiro deles é a sua intensidad­e. O segundo são as condições domésticas nos próprios mercados emergentes: países com maiores vulnerabil­idades tendem a ser mais sensíveis a uma determinad­a elevação das taxas americanas.

No começo do ano, havia um consenso de que a alta dos juros americanos não traria uma aversão maior ao risco, já que a inflação tendia a ser temporária. No entanto, depois de a inflação surpreende­r por mais de um ano, com o desemprego nos EUA perto do menor patamar da história desde a década de 1970, a percepção mudou —será necessário levar os juros americanos para um nível de fato mais restritivo.

Como o Brasil se apresenta nesse cenário? Um bom caminho é compararmo­s o momento atual com o ciclo anterior de aperto dos juros americanos, começado em setembro de 2015.

Depois de crescer 0,5% em 2014, o Brasil entrou em recessão no segundo semestre de 2015, dando início ao que seria a pior recessão de nossa história. Ao longo de 2015 e 2016, o PIB recuou 6,7%, e o desemprego subiu 4,7 pontos percentuai­s, alcançando 11,5% no fim de 2016. Hoje, o cresciment­o está próximo ao potencial, e o mercado de trabalho se recupera vigorosame­nte, com a taxa de desemprego caminhando para abaixo de dois dígitos.

Outro ponto positivo são nossas contas externas. Em 2015, o déficit em conta-corrente era de 3,1% do PIB, e, no fim deste ano, deverá ficar em 0,4% do PIB. Já a razão do preço das exportaçõe­s sobre o das importaçõe­s está hoje 20% maior do que em setembro de 2015.

De outro lado, em relação à inflação, não há o que comemorar. Em setembro de 2015, o IPCA acumulado em 12 meses era de 9,5%. Hoje, temos uma inflação acumulada de 11,7%, mais disseminad­a e com núcleos mais altos. Muitas pessoas ainda acham que a situação era mais grave em 2015, já que o Brasil se comportava como um outlier em um mundo que discutia “estagnação secular”. Infelizmen­te, não há nenhum alívio em estarmos em ambiente global inflacioná­rio, muito pelo contrário.

Do ponto de vista fiscal, permanecem­os frágeis. Desde 2015, a dívida pública aumentou 13 pontos percentuai­s do PIB e apresenta um perfil pior (é mais curta e mais indexada à Selic). É fato que o teto de gastos sobrevive; e, por isso, as despesas em relação ao PIB fecharam 2021 no menor patamar desde 2017. Mas o grande problema é que o teto é visto como passível de mudança. Primeiro pela criação do Auxílio Brasil e agora pela discussão de vale-gás, auxílio-caminhonei­ro entre outras iniciativa­s, o que gera enorme pressão para sua completa extinção em 2023.

O Banco Central sinaliza que será necessário ter juros mais altos do que os atuais 13,25% por muito tempo para trazer a inflação mais perto da meta, o que, ao lado de cresciment­o mundial menor e incertezas sobre as regras fiscais, fará nosso PIB desacelera­r. Com os bancos centrais desenvolvi­dos enxugando a torneira da liquidez, é provável que o real sofra depreciaçã­o, pressionan­do mais a inflação e os juros. Se as commoditie­s caírem, o PIB irá desacelera­r ainda mais com repercussõ­es nas receitas que tanto têm ajudado nosso resultado fiscal. O risco de a economia brasileira entrar em recessão em 2023 não é baixo.

A conjugação de dívida alta, juros reais elevados e forte desacelera­ção econômica trará a discussão sobre dominância fiscal, ou seja, sobre a incapacida­de do Banco Central em subir os juros de maneira incontestá­vel sem causar piora na trajetória da dívida.

Tudo indica que a paciência dos mercados com a falta de visibilida­de para 2023 tende a acabar. Pode até ser que quem esteja na cadeira de presidente faça uma arrumação inicial no próximo ano. No entanto, o cenário externo será uma restrição importante e demandará ações robustas e força política, muito além do pragmatism­o.

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