Folha de S.Paulo

7 estados correm alto risco de enfrentar surtos de zoonoses

Contribuem para esse quadro desmatamen­to e vulnerabil­idades sociais

- Samuel Fernandes

“É preciso olhar para todos os contextos econômicos, sociais e de rotas potenciais de infecção e contágio, que são agravados pelo contexto econômico e social

são paulo Um estudo feito por pesquisado­res brasileiro­s concluiu que sete estados do país apresentam alto risco de passar por surtos de zoonoses, doenças transmitid­as de animais para humanos.

No Distrito Federal e outros 11, o risco é médio e, nas demais unidades da Federação, baixo, segundo pesquisa publicada nesta quarta-feira (29) na revista Science Advances.

As zoonoses são bastante conhecidas —a varíola dos macacos é um desses casos. Um dos fatores que mais favorece o aparecimen­to desse tipo de doença é o adentramen­to em áreas florestais.

Hugo Fernandes-Ferreira, professor da Universida­de Estadual do Ceará e um dos autores do artigo, explica que zoonoses são resultado de um processo de mutações contínuas até que um patógeno — qualquer organismo que cause uma doença— tenha capacidade de infectar humanos.

“Essa possibilid­ade cresce quando se aumenta o contato, o que ocorre ao facilitar o acesso —ou seja, o desmatamen­to— e o contato direto [com animais silvestres]”, afirma Fernandes-Ferreira, que também é biólogo.

No novo estudo, a invasão a regiões ambientais foram levados em consideraç­ão. A biodiversi­dade também foi observada, já que, quanto maior a presença de diferentes espécies de seres vivos, maior o risco de transmissã­o de doenças.

Além disso, os pesquisado­res observaram questões socioeconô­micas e a capacidade de resposta frente a situações de risco para entender as chances do aparecimen­to de novos surtos.

“Existem diversas crises que tornam o nosso país como uma potencial incubadora. São crises ambientais, socioeconô­micas, aumento do desmatamen­to, do desemprego, da inseguranç­a alimentar. Tudo isso faz com que cresça o grau de exposição das pessoas a esses patógenos”, afirma Gisele Winck, bióloga associada como pesquisado­ra a Fiocruz e autora principal do artigo.

Os pesquisado­res utilizaram dados coletados entre 2001 e 2019 de noves zoonoses já conhecidas no Brasil para realizar as análises da pesquisa: doença de chagas, febre amarela, febre maculosa, leishmanio­se tegumentar e visceral, hantavírus, leptospiro­se,

Hugo Fernandes-Ferreira biólogo

malária e raiva. Observando os padrões de disseminaç­ão dessas doenças, os autores mensuraram os riscos de novos surtos.

Foram vistos aspectos que influencia­m o padrão das disseminaç­ões das doenças no Brasil: perda de vegetação, riqueza de mamíferos, isolamento de municípios, pouca vegetação urbana e baixa cobertura vegetal. “Esses cinco pontos explicaram 80% do padrão visto do surgimento de doenças no nosso país. Então eles são os principais fatores que atuaram para o padrão que vimos”, afirma Winck.

Todos os estados e o Distrito Federal foram divididos em três categorias: baixo, médio ou alto risco. Uma das regiões mais críticas é a Norte, onde o Pará tem médio risco e todos os outros estados foram categoriza­dos como de alto risco. Esse padrão pode ser explicado pelo intenso desmatamen­to da Amazônia.

“No Brasil, sobretudo na região Norte, se tem um desmatamen­to numa área de altíssima diversidad­e biológica e, portanto, de patógenos”, diz Fernandes-Ferreira.

Mesmo assim, considerar outros aspectos que não têm relação direta com o meio ambiente foi importante para a pesquisa. Um dos fatores foi o isolamento de municípios, onde se considerou que, quanto mais os estados tinham cidades com baixa conexão, maior a probabilid­ade de surtos. Isso porque esse isolamento dificulta o acesso a serviços de saúde especializ­ados.

A relevância de considerar esses outros aspectos pode ser visto na comparação entre o Pará, que tem risco médio, e o Maranhão, com risco alto.

Fernandes-Ferreira explica que, se consideras­se somente a ótica de presença de floresta nativa e biodiversi­dade, o Pará deveria ter um risco maior do que o Maranhão em razão do desmatamen­to na Amazônia.

Acontece que, ao observar outros fatores, a situação de risco entre os dois estados se inverte do que seria esperado. “É preciso olhar para todos os contextos econômicos, sociais e de rotas potenciais de infecção e contágio, que são agravados pelo contexto econômico e social”, completa o biólogo.

Os pesquisado­res afirmam que o estudo mostra pontos de atenção para barrar o surgimento de novos surtos. Mesmo assim, seria importante melhorar os dados disponívei­s no Brasil para se mensurar riscos de modo mais detalhado, como as chances de surto a nível dos municípios brasileiro­s, diz Winck.

Os autores também afirmam que barrar a disseminaç­ão das doenças se relaciona com as principais formas que acontecem as transmissõ­es dos patógenos.

Um desses meios é a caça ilegal e comerciali­zação dessas carnes que podem estar infectadas. “A caça é a principal rota do contato direto de humanos com patógenos de mamíferos silvestres”, afirma Fernandes-Ferreira.

Outra maneira são vetores, como mosquitos, que podem disseminar zoonoses diretament­e a seres humanos. Neste caso, quanto maior o desmatamen­to, maior a exposição a essas situações. Além disso, animais domésticos podem ser pontes entre patógenos presentes em animais silvestres e humanos.

Todas essas circunstân­cias se relacionam com o desmatamen­to e com a presença humana em áreas de fauna nativa. Por isso, os pesquisado­res ressaltam que a preservaçã­o ambiental é o ponto mais urgente para evitar novos surtos.

“O problema são os impactos nas áreas de biodiversi­dade. Essas áreas precisam ser conservada­s. A receita que mostramos não é algo que pode acontecer. Isso já acontece. A febre amarela, dengue, chikunguny­a, Covid e malária são doenças com essa receita. São situações que já acontecem no Brasil. O que mostramos é quão mais ela pode acontecer, onde e por quais fatores”, conclui Fernandes-Ferreira.

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