Folha de S.Paulo

Futebol ganhou nova cara desde o quinto Mundial brasileiro

- Paulo Vinicius Coelho

são paulo Felipão pediu em todos os treinos para Ronaldo cercar a saída do adversário. “Não precisa tomar a bola, mas atrapalha.” O tom era esse e repetido mais de uma vez por sessão de treinament­o.

Aos 22 minutos do segundo tempo da decisão contra a Alemanha, Ronaldo conduziu a bola e foi desarmado por Hamann. Levantou-se, correu dois passos em direção à defesa, esticou sua perna direita e tomou a bola do volante alemão. Entregou a Rivaldo, que chutou de fora da área.

Oliver Kahn rebateu, e Ronaldo teve o tempo de chegar à pequena área para finalizar.

O primeiro gol da final contra a Alemanha teve um pouco do que o futebol mais pediu nos 20 anos seguintes: pressão e intensidad­e.

A única seleção da história a ganhar sete partidas para ser campeã mundial não foi um símbolo de planejamen­to. De todas as 21 Copas do Mundo, só sete foram vencidas por técnicos com menos de três anos no cargo: Alberto Supicci (1930), Marcello Lippi (2006), Vicente Del Bosque (2010) e quatro brasileiro­s.

Felipão seguiu o trilho de Vicente Feola (1958), Aymoré Moreira (1962) e Zagallo (1970). Só no tetra a seleção chegou à Copa com um trabalho de três temporadas, consolidad­o por Carlos Alberto Parreira.

A Ásia deu o sinal de que a Copa seria vencida pelo melhor time daquele mês. Os últimos três campeões mostram algo diferente. É preciso organizar a seleção mês a mês, estar atento aos nomes que surgem. Não se vence sem organizaçã­o.

Felipão estreou em 1º de julho de 2001 e levantou o troféu em 30 de junho de 2002, exatos 364 dias depois. A Croácia chegou à decisão de 2018 com um técnico que estava fazia 17 partidas no comando. A Holanda chegará ao Qatar conduzida por Louis van Gaal por 15 meses. Talvez só os holandeses possam desmentir o senso de organizaçã­o e levar ao título.

O técnico do penta diz: “Montamos o time na Catalunha, na fase final de preparação, graças ao entendimen­to tático de Edmílson”. Ele quer dizer que fechou o sistema de três zagueiros com o apoio de seu líbero, capaz de entender os movimentos do jogo. De adiantar-se para compor o meio de campo ou recuar para ser o líbero.

O futebol mudou nestes 20 anos. Uma das questões foi abandonar de vez a ideia de que se é mais defensivo quando se atua com mais zagueiros ou mais ofensivo com mais atacantes. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Nas duas últimas décadas, o jogo ficou mais rápido e disputado em espaço menor. No início do século 21, ainda prevalecia a lógica de Arrigo Sacchi, de abaixar a linha do ataque até a intermediá­ria, subir a defesa e obrigar o adversário a jogar em um terço do campo.

Nestes 20 anos, muitas vezes se vê a distância de 15 metros entre o primeiro zagueiro e o último atacante. Daí a necessidad­e de mais ensaio e mais jogo coletivo. Também de mais saídas coordenada­s da defesa para o ataque.

Outradasgr­andesmudan­ças é o êxodo cada vez mais precoce. O Brasil nunca foi campeão mundial tendo mais convocados fora do que dentro do país. Em 2002, Marcos, Kleberson e Gilberto Silva eram os únicos titulares que atuavam no Campeonato Brasileiro. Mas 13 dos 23 inscritos jogavam no país.

A única seleção da história campeã com mais convocados no exterior foi a França, tanto em 1998 quanto em 2018. O Brasil de Tite pode ter apenas Weverton e Arana, de Palmeiras e Atlético, fora do eixo europeu.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil