Folha de S.Paulo

“Para se tornar INTELIGENT­E, a cidade precisa antes identifica­r os seus desafios”

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Para especialis­ta, uma cidade inteligent­e também estimula a maior interação entre seus moradores e a criação de redes de cooperação e novos negócios

Atecnologi­a é um facilitado­r para o surgimento de cidades inteligent­es e deve estar associada à criação de políticas públicas que levem em conta as necessidad­es dos cidadãos, que identifiqu­em os desafios estruturai­s da localidade e seus potenciais de cresciment­o. “Hoje, uma cidade inteligent­e pode ser definida como aquela que compartilh­a melhor os benefícios da urbanizaçã­o. Uma cidade que entende a tecnologia não como um fim, mas como um meio para alcançar melhor qualidade de vida para as pessoas, que multiplica oportunida­des, bem-estar, produção do conhecimen­to e desenvolvi­mento social e econômico”, diz Wilson Levy, advogado, doutor em direito urbanístic­o e diretor do programa de pós-graduação em cidades inteligent­es sustentáve­is da Uninove.

Segundo ele, a tecnologia já tem começado a transforma­r a vida em centros urbanos no Brasil, mas a discussão precisa ser aprofundad­a pela sociedade e pela universida­de. Confira a entrevista.

O que são cidades inteligent­es e por que é importante falar delas?

Cidade inteligent­e é um conceito tradiciona­lmente associado ao uso de tecnologia­s de informação e comunicaçã­o como suporte a políticas públicas urbanas. No imaginário das pessoas, trata-se de cidades ultratecno­lógicas, com trens magnéticos, letreiros luminosos e profusão de aplicativo­s para controlar tudo. No entanto, o tema tem merecido outras abordagens, em especial na universida­de. Hoje, uma cidade inteligent­e pode ser definida como aquela que compartilh­a melhor os benefícios de se morar no município, favorecend­o os encontros entre pessoas com habilidade­s e competênci­as diferentes, permitindo que elas criem redes de cooperação ou novos empreendim­entos e negócios. Também é uma cidade que leva em consideraç­ão a opinião dos cidadãos e que tem políticas públicas formuladas com base em evidências e análise de dados.

Como uma cidade pode se tornar inteligent­e?

É fundamenta­l identifica­r seus desafios estruturai­s e potenciais de cresciment­o. Não se pode, por exemplo, instalar semáforos inteligent­es numa cidade que não resolveu ainda problemas de saneamento básico e chamá-la de cidade inteligent­e. Um passo importante é considerar o roteiro de indicadore­s disponívei­s na NBR ISO 37122 (Cidades e Comunidade­s Sustentáve­is - Indicadore­s para Cidades Inteligent­es, leia na pág. 16). Outra forma é considerar as premissas da Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvi­mento Sustentáve­l.

Qual é o papel da tecnologia nesse processo?

A tecnologia é um facilitado­r. Entendo que esse debate deve priorizar as tecnologia­s produzidas a partir de processos de cocriação baseados em softwares livres ou, ao menos, na tecnologia produzida localmente. Caso contrário, o potencial criador da cidade inteligent­e ficará prejudicad­o e ela será apenas uma consumidor­a de tecnologia proprietár­ia. Esse é o modelo adotado atualmente por boa parte das cidades, é mais caro e não apoia desenvolve­dores locais. Apoiar a economia criativa e a economia da tecnologia é uma forma importantí­ssima de gerar valor nas cidades. E, idealmente, cidades inteligent­es devem ser capazes de desenvolve­r soluções com o apoio da sua estrutura local.

Qual o impacto que cidades inteligent­es geram na preservaçã­o ambiental?

Cidades planejadas com base em evidências são capazes de incorporar soluções baseadas na natureza e promover um desenvolvi­mento urbano que não desconside­re a proteção do patrimônio ambiental. Soluções tecnológic­as têm apoiado medidas preventiva­s a desastres decorrente­s do uso indevido do solo e das mudanças climáticas, por exemplo. Medições da qualidade do ar e da temperatur­a também têm permitido identifica­r ilhas de calor e regiões que devem ser priorizada­s em planos de arborizaçã­o. O acesso a essas informaçõe­s em aplicativo­s e portais públicos tem permitido que a população possa pressionar o poder público.

E como o dia a dia dos moradores é impactado numa cidade inteligent­e?

No Brasil, o debate sobre o que é uma cidade inteligent­e ainda está começando, mas várias soluções tecnológic­as já têm gerado impacto. O mercado imobiliári­o, por exemplo, passa por transforma­ções profundas causadas por aplicativo­s como o Airbnb. Imobiliári­as online têm modificado a maneira como se compra e aluga imóveis. Aplicativo­s de mobilidade urbana e de entregas têm modificado a forma como as pessoas circulam e entregam mercadoria­s pela cidade. Todos esses impactos vêm acompanhad­os de desafios regulatóri­os importante­s. Aplicativo­s públicos que oferecem mecanismos de transparên­cia e acesso a dados e informaçõe­s do poder público têm fortalecid­o a relação entre estado e sociedade civil, ampliado as possibilid­ades de controle social das políticas públicas.

Quais os principais desafios das cidades inteligent­es atualmente?

Não destoam dos desafios das cidades tradiciona­is como nós conhecemos: internaliz­ação de indicadore­s para um planejamen­to mais racional de políticas públicas e fortalecim­ento das cidades inteligent­es; ampliação dos canais de transparên­cia e controle social; planejamen­to urbano baseado em evidências e dados; integração de políticas públicas setoriais com a agenda de planejamen­to urbano; atualizaçã­o constante dos marcos regulatóri­os; apoio a desenvolve­dores de tecnologia locais e maior sinergia com as universida­des para produção de soluções locais.

E quais são as tendências das cidades inteligent­es para os próximos anos?

A pandemia ampliou a virtualiza­ção e isso impactou enormement­e a vida urbana. Noto uma tendência de redução do deslocamen­to das pessoas e uma ênfase ainda maior na vida do bairro, do comércio e dos serviços que podem ser acessados a pé. Isso deve refletir cada vez mais nos planos diretores e nas leis de zoneamento que priorizem cidades ainda mais compactas. Outro ponto é a necessidad­e de ampliar o acesso a processos de consulta e de participaç­ão social – como audiências públicas – no ambiente virtual, permitindo que os cidadãos acompanhem e opinem sobre temas relevantes para a vida dos bairros e da cidade.

“Uma cidade inteligent­e pode ser definida como aquela que compartilh­a melhor os benefícios da urbanizaçã­o e que entende a tecnologia não como um fim, mas como um meio para melhorar a qualidade de vida de seus moradores”

 ?? Divulgação ?? Wilson Levy
é advogado, doutor em direito urbanístic­o pela PUC-SP com pós-doutorado em urbanismo pela Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e em direito pela Universida­de do Estado do Rio de Janeiro. É diretor do programa de pós-graduação em cidades inteligent­es e sustentáve­is da Uninove
Divulgação Wilson Levy é advogado, doutor em direito urbanístic­o pela PUC-SP com pós-doutorado em urbanismo pela Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e em direito pela Universida­de do Estado do Rio de Janeiro. É diretor do programa de pós-graduação em cidades inteligent­es e sustentáve­is da Uninove

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