Folha de S.Paulo

Diabetes é a variável que mais impacta em mortes por infarto

- Ricardo Muniz

AGÊNCIA FAPESP Já são conhecidos vários fatores que aumentam o risco de infarto, como glicose elevada (hiperglice­mia), obesidade, colesterol alto, hipertensã­o e tabagismo. E agora um estudo publicado na revista Plos One mensurou o impacto de cada um deles nas estatístic­as de morte por doença cardiovasc­ular. A hiperglice­mia mostrou uma associação com esse desfecho de cinco a dez vezes maior do que outros fatores.

Foram usados dados de fontes governamen­tais, como os ministério­s do Desenvolvi­mento Social e da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), registrado­s entre 2005 e 2017. Os números foram confrontad­os com informaçõe­s de outros bancos, como o Global Health Data Exchange (GHDx) e o repositóri­o do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universida­de de Washington (EUA).

Por meio de métodos estatístic­os, os pesquisado­res determinar­am o número de óbitos atribuídos a cada fator de risco. O objetivo da pesquisa, apoiada pela Fapesp, foi ajudar a encontrar estratégia­s mais eficazes para reduzir a incidência de doenças cardiovasc­ulares —que ainda são as maiores causas de morte no país.

“Independen­temente do controle que usávamos —e testamos diferentes tipos de variável, modelos estatístic­os e métodos— o diabetes sempre se associava à mortalidad­e por doenças cardiovasc­ulares. Mais do que isso: é uma associação que não se restringia ao ano analisado, mas perdurava por até uma década”, explica Renato Gaspar, pósdoutora­ndo no Laboratóri­o de Biologia Vascular do Instituto do Coração (InCor), viculado à Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (FM-USP).

Estudos anteriores estabelece­ram uma equação para calcular o número de mortes prevenidas ou adiadas devido a mudanças em fatores de risco. Assim, foi possível analisar também as taxas de mortes “prematuras”, calculadas em relação à expectativ­a de vida padrão. Os autores concluíram que cerca de 5 mil pessoas não teriam morrido por doença cardiovasc­ular no período analisado caso os índices de diabetes fossem menores na população. Por outro lado, a pesquisa também permitiu concluir que pelo menos 17 mil mortes foram evitadas somente pela diminuição do consumo de cigarros durante esses 12 anos.

“Nossos achados fornecem evidências de que as estratégia­s para reduzir o tabagismo foram fundamenta­is para a redução da mortalidad­e por doença cardiovasc­ular”, apontam os autores.

Outro ponto que chamou a atenção dos cientistas foram as diferenças de gênero. “As disparidad­es sexuais reiteram outros estudos que apontam o diabetes e a hiperglice­mia como fatores de risco mais fortes para doença cardiovasc­ular em mulheres do que em homens”, advertem.

A mortalidad­e e a incidência de doenças cardiovasc­ulares diminuíram 21% e 8%, respectiva­mente, entre 2005 e 2017 no Brasil. Além da redução do tabagismo, o maior acesso à saúde básica é listado como um dos responsáve­is pela melhora nos índices. Essa observação levou em conta a questão da hipertensã­o, frequentem­ente associada a problemas cardíacos. No entanto, ela represento­u sete vezes menos mortes por doenças cardiovasc­ulares do que a hiperglice­mia. Uma das possibilid­ades é que o acesso ao sistema de saúde universal, com aumento na cobertura de atenção primária, tornou alta na população a taxa de controle da hipertensã­o.

Corrobora esse achado o fato de que a associação entre hiperglice­mia e mortalidad­e por doença cardiovasc­ular foi independen­te do nível socioeconô­mico e do acesso aos cuidados de saúde. Os pesquisado­res inseriram covariávei­s nos modelos analisados para contabiliz­ar dados como renda familiar, benefício do Bolsa Família, produto interno bruto (PIB) per capita, número de médicos por habitantes e cobertura de atenção primária.

“Além de aumentar a renda, diminuir a desigualda­de e a pobreza e ampliar a qualidade e o acesso à saúde, precisamos olhar para o diabetes e para a hiperglice­mia de maneira específica”, aponta Gaspar, ressaltand­o que o país tem discutido pouco questões como o alto consumo de açúcar.

“Precisamos de uma política de educação nutriciona­l. Debater se vale a pena colocar uma tarja nos produtos açucarados com um alerta, como nas embalagens de cigarro, ou taxar produtos com açúcar adicionado de forma a incentivar as indústrias a reduzir esse ingredient­e. São questões bastante debatidas em outros países e que precisam ser pautadas aqui.”

Para mitigar os índices de doença cardiovasc­ular no Brasil, as políticas de saúde devem ter como objetivo reduzir diretament­e a prevalênci­a de hiperglice­mia, seja pela educação nutriciona­l, pela restrição a alimentos com açúcar adicionado ou pelo mais amplo acesso às novas classes de medicament­os capazes de diminuir a chance de o paciente diabético morrer por infarto.

“Além de aumentar a renda, diminuir a desigualda­de e a pobreza e ampliar a qualidade e o acesso à saúde, precisamos olhar para o diabetes e para a hiperglice­mia de maneira específica

Renato Gaspar pesquisado­r

 ?? Li Ran - 2.set.22/Xinhua ?? Produção de injeções de insulina para pacientes com diabetes, na China
Li Ran - 2.set.22/Xinhua Produção de injeções de insulina para pacientes com diabetes, na China

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