Folha de S.Paulo

Estado do Pará é uma síntese de desafios e problemas da Amazônia

Desmate avança em florestas não destinadas, assentamen­tos rurais e áreas protegidas

- Phillippe Watanabe O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundation­s.

SÃO PAULO Uma área no Brasil pode ser considerad­a uma síntese dos principais problemas e desafios que afetam a Amazônia: explosão de desmatamen­to e queimadas, além de invasão e degradação de terras indígenas e unidades de conservaçã­o. É o Pará.

Desde 2006, o Pará lidera a lista de desmatamen­to na Amazônia, segundo dados do Prodes, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que anualmente aponta o tamanho do novo buraco de vegetação surgido na maior floresta tropical do mundo.

O estado também detém anualmente a maior fatia das queimadas no bioma, que já variou de 30% a até mais de 50% (em 2009).

A situação de derrubada de árvores explodiu desde o começo do governo Jair Bolsonaro (PL), saindo da casa de 2.000 km² desmatados para mais de 5.000 km².

Os dados do Inpe também mostram que as terras indígenas do Pará, de forma geral, são as que mais sofrem com desmatamen­to. A líder é a Cachoeira Seca, perto do município de Altamira. A segunda colocada é a Apyterewa, às margens do rio Xingu, próxima a São Félix do Xingu.

O desmatamen­to e o gado presentes no Pará —é comum a ligação entre derrubada na Amazônia e pecuária— levam a altíssimas emissões de gases-estufa, ponto sensível em uma realidade em que o mundo tenta conter a crise climática. As duas cidades líderes do ranking de emissões no Brasil estão justamente no estado, as já citadas Altamira e São Félix do Xingu. Outras duas cidades paraenses (Pacajá e Novo Progresso) também estão no top 10.

Os números apontam para algumas áreas do Pará como as mais críticas de toda a Amazônia Legal. Esses locais são as margens da BR-163, da Transamazô­nica e a Terra do Meio (perto de Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso), segundo uma nota técnica do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), de fevereiro deste ano.

Paulo Barreto, cofundador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) e pesquisado­r associado do projeto Amazônia 2030, destaca a pressão que será exercida sobre o oeste do Pará com a conclusão da BR163 —há o mesmo temor de pesquisado­res no caso da BR319, cujo projeto de reconstruç­ão entre Manaus e Porto Velho pode se tornar um vetor de desmatamen­to.

Além da rodovia, Barreto também aponta os consideráv­eis impactos ambientais associados a planos de construção de hidrelétri­cas na bacia do Tapajós.

Somam-se a esses riscos específico­s, as caracterís­ticas próprias do desmatamen­to no estado. O maior dos problemas enfrentado­s nos últimos anos é o desmatamen­to em terras públicas não destinadas. Os dados de 2020/2021 do Prodes, por exemplo, apontam cerca de 1.800 km² de desmate nesses locais, segundo análise do Ipam.

As florestas não destinadas são áreas públicas que pertencem à União ou a estados, mas que estão sem uso definido. Na Amazônia, elas costumam ser alvo de grileiros.

No caso paraense, segundo Gabriela Savian, diretora-adjunta de políticas públicas do Ipam, mais da metade do desmate nas terras públicas do estado ocorre em florestas públicas federais. “Você tem um contexto de caos no ordenament­o e governança fundiários”, afirma.

De acordo com a especialis­ta, porém, o Pará tem um processo estadual de regulariza­ção fundiária mais estruturad­o, mas, na esfera federal, a situação se complica, daí os números serem mais altos.

Sobre invasões em terras públicas, Barreto aponta ainda a necessidad­e de desintrusã­o, ou seja, de tirar grileiros e invasores de áreas ocupadas irregularm­ente.

As terras não destinadas, porém, não concentram sozinhas o desmate no Pará. A situação local também é complicada no caso dos assentamen­tos rurais, como os Projetos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l Terra Nossa e Divinópoli­s. Segundo o Ipam, eles necessitam de ações de controle.

O desmatamen­to tem elevada concentraç­ão recente em áreas protegidas. Os dados do Prodes de 2020/2021, apontam que 72% da derrubada de mata em áreas de proteção ocorreu no Pará.

“O Pará tem uma realidade muito mais complexa do que os outros estados. Lá a gente tem um contexto que mistura ilegalidad­e e criminalid­ade”, afirma Savian.

A grilagem é estimulada por medidas que facilitam a posse de áreas invadidas. O próprio governo do Pará tomou atitudes que facilitam a regulariza­ção de terras griladas, segundo entidades de pesquisa e o Ministério Público Federal.

Em uma delas, o governo de Helder Barbalho (MDB) — candidato à reeleição que, segundo o Datafolha, pode ser eleito em primeiro turno— deu um desconto de cerca de 99% para regulariza­ção de invasores de terra pública, segundo um estudo do Imazon.

Além disso, o decreto estadual 1.684 de 2021 levou a subsídio no valor de R$ 6,7 bilhões para a privatizaç­ão de terras públicas estaduais invadidas.

O governo do Pará colocou em ação, nos últimos anos, em parceria com a UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), uma plataforma chamada Selo Verde, que permite uma maior rastreabil­idade da cadeia produtiva da pecuária.

Savian, por sua vez, destaca o Plano Estadual Amazônia Agora, instituído em 2020 pelo governo do Pará. O plano centraliza ações contra mudanças climáticas e coloca como um dos objetivos para o estado alcançar a neutralida­de de emissões de gasesestuf­a a partir de 2036.

A Folha procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabi­lidade do Pará para comentar as ações, mas não houve retorno.

“O Pará tem uma realidade muito mais complexa do que os outros estados. Lá a gente tem um contexto que mistura ilegalidad­e e criminalid­ade Gabriela Savian diretora-adjunta do Ipam

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Fontes: TSE, Inpe, IBGE
 ?? Lalo de Almeida - 16.jul.2020/Folhapress ?? Motorista descarrega madeira ilegal em um depósito de Uruará, no Pará
Lalo de Almeida - 16.jul.2020/Folhapress Motorista descarrega madeira ilegal em um depósito de Uruará, no Pará

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