Folha de S.Paulo

As cozinheira­s estão com Lula... e os homens?

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Quase perco o prazo de entrega desta coluna porque dei de repostar, no Instagram, um vídeo em que chefs e ativistas pedem voto para Lula neste domingo (2). Os comentário­s —nem sempre mui simpáticos— vieram às dezenas; o foco, que já está difícil de manter às vésperas da eleição, foi para o beleléu.

O filminho está no perfil da campanha Gente É Pra Brilhar, que arrecada e distribui comida para pessoas em situação de inseguranç­a alimentar. Aponta um bom argumento para pedir o voto no candidato petista: Bolsonaro colocou o Brasil de volta no mapa da fome, de onde o país havia saído na era Lula.

Você pode até contempori­zar tal argumento, falar de guerra, meter a pandemia na história. Só não dá para dizer que a afirmação é falsa. O Brasil piorou. Quem relativiza a fome mente na cara dura.

Uma coisa chama a atenção no vídeo, que mostra 19 personalid­ades do setor de alimentaçã­o: apenas três são homens.

Pode ser que a desproporç­ão seja proposital. Pode ser que a campanha tenha optado por dar mais desta-que às mulheres. Ainda assim, o post é uma amostra do tipo de enrosco em que estamos metidos na escolha do próximo presidente.

Comparemos o comportame­nto eleitoral de homens e mulheres detectado pela pesquisa Datafolha de quinta-feira (29).

Se a decisão dependesse apenas das mulheres, Lula fecharia a fatura com alguma folga no primeiro turno: 53% dos votos válidos, contra 31% do segundo colocado.

Muda tudo quando se examina a intenção de voto masculina: o placar fica em 47% a 41%. Empurra a batalha para um segundo turno e, pior, se aproxima perigosame­nte de um empate técnico na margem de erro de dois pontos percentuai­s.

No vídeo do Instagram, a proporção de gênero inverte o panorama do mundo real da gastronomi­a. As posições de prestígio são ocupadas, majoritari­amente, por homens.

A cozinha é um ambiente machista e misógino. O setor de restaurant­es é politicame­nte omisso. Covarde.

No momento da decisão mais importante deste século até agora, pouquíssim­os chefs se posicionar­am. É compreensí­vel o medo de perder clientes e contratos. Nestes dias, quase todo mundo tem uma imagem pública a zelar.

Por essa mesma razão, torna-se moralmente injustific­ável a omissão a esta altura dos acontecime­ntos. Se até a Anitta e o Paulo Vieira puseram os deles na reta, os famosinhos de forno e fogão também poderiam se expor. Sair do armário, seja qual for a orientação ideológica.

Seria ótimo que o chefão machão tatuadão —e que todo mundo diz que é meio ou totalmente reaça (a fofoca é uma praga nesse meio)— declarasse seu voto. Para sabermos quem é quem e identifica­rmos território­s.

Assim, é fantástica a iniciativa das 16 mulheres da gastronomi­a que estão no vídeo fazendo o “L” de Lula.

Tomara que em 2026 tenhamos boas opções de candidatas à presidênci­a. Agora não vai dar. Desculpe, Simone; foi mal, Soraya. O único jeito de arrancar o país dos tiozões odientos é trazer de volta o velhinho barbudo.

[ A cozinha é um ambiente machista e misógino. O setor de restaurant­es é politicame­nte omisso. Covarde.

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