Folha de S.Paulo

Alerta financeiro

Turbulênci­a no mercado britânico dá ideia dos riscos decorrente­s da alta dos juros globais

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Desde o início do ano o custo do dinheiro aumenta no mundo, sob a liderança do banco central americano, que busca conter a inflação. A zona do euro e o Reino Unido acompanham. Está sendo perturbado o equilíbrio dos últimos 20 anos, de juros baixos e mesmo nulos por boa parte do período.

O problema é que sempre há alguém com liquidez insuficien­te e balanços fracos para enfrentar a virada do ciclo financeiro. A alta dos juros atinge a todos, mas quando há impacto sistêmico, em que o risco de colapso de um segmento causa uma reação em cadeia, os bancos centrais têm de intervir.

O processo vinha sendo ordenado, com queda de Bolsas e encarecime­nto do crédito, como desejado pelos bancos centrais para conter a demanda. Mas a ansiedade quanto a algum grande acidente crescia.

Eis que um potencial candidato a produzir um choque sistêmico surgiu no Reino Unido —o conjunto dos fundos de pensão. O país está em situação delicada, com alta inflação, cresciment­o e produtivid­ade declinante­s desde que deixou a União Europeia, além de déficits público e externo elevados.

Depois de meses de tumulto político para a definição da nova liderança conservado­ra, Liz Truss foi alçada à posição de primeirami­nistra. Sua plataforma é de restauraçã­o do cresciment­o com mais gastos públicos e ativismo fiscal.

O governo anunciou um plano de 70 bilhões de libras em cortes de impostos para os mais ricos e subsídios à energia, com promessa de que mais expansioni­smo virá. Os mercados não gostaram.

Houve corrida contra a libra e disparada dos juros dos títulos públicos de longo prazo. A turbulênci­a abalou os fundos de pensão britânicos, que têm obrigações atuariais e se valem de títulos e instrument­os financeiro­s para harmonizar a rentabilid­ade dos ativos com os pagamentos futuros.

Ocorre que a escalada das taxas de mercado provoca perdas nos valores desses instrument­os, obrigando os planos a apresentar novas garantias —o que demanda recursos e por sua vez força a venda descontrol­ada de papéis.

Com o pânico instalado, o banco central teve de intervir com a compra de 65 bilhões de libras em títulos, poucas semanas após iniciar vendas para contrair a liquidez.

Uma virada humilhante, que evidencia a fragilidad­e do mercado. O dano parece controlado por ora, mas trata-se de um sinal de grandes riscos à espreita.

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