Folha de S.Paulo

Ciro Gomes chega a sua 4ª disputa com flerte à direita e arrisca perder CE

Com campanha marcada por ataques ao PT, pedetista arrisca terminar eleição atrás de Tebet

- Danielle Brant e Mariana Zylberkan

brasília e são paulo Candidato do PDT à Presidênci­a, Ciro Gomes recorreu ao discurso antissiste­ma, a ataques contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até mesmo ao eleitor de centrodire­ita para tentar, pela primeira vez, ir a um 2º turno de eleições presidenci­ais. O resultado, no entanto, deve passar bem longe disso.

Ciro, 64, arrisca terminar outra vez em quarto lugar — em 2002, ficou atrás de Anthony Garotinho (PSB)— e ver sua família perder a base política no Ceará, depois de brigar com os irmãos Cid e Ivo para lançar Roberto Cláudio (PDT) ao governo do estado —o candidato, porém, desidratou e possivelme­nte não irá à volta final.

Ele também deve sair da disputa com capital político menor do que o que tinha ao entrar. As pesquisas indicam que Ciro conquistar­á metade da votação de 2018, quando obteve 13,4 milhões de apoios.

A equipe do presidenci­ável apostou alto na eleição de 2022. Em abril do ano passado, contratou João Santana, marqueteir­o de Lula no pleito de 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Santana recebeu, no total, R$ 11,45 milhões, ou 36,5% das despesas declaradas pela campanha de Ciro, de R$ 31,4 milhões.

Apesar do investimen­to, ele se manteve abaixo de dois dígitos nas pesquisas do Datafolha. A dificuldad­e de decolar e a formação de um autointitu­lado centro democrátic­o que reuniu PSDB, Cidadania e MDB em torno de Simone Tebet (MDB) deixaram o pedetista sem possibilid­ades concretas de alianças.

Por isso, trata-se da primeira disputa em que não consegue reunir uma aliança em torno de seu nome. Em 1998, quando concorreu ao Planalto pela primeira vez, lançou-se pelo PPS (atual Cidadania) com o apoio de PL e PAN. Em 2002, ainda no PPS, reuniu PDT e PTB. Em 2018, já no PDT, teve o Avante em sua base.

Assim, Ciro teve de recorrer a uma solução interna, a vice-prefeita de Salvador, Ana Paula Matos (PDT), para formar sua chapa. Antes mesmo de formalizar a escolha, porém, já mostrava a linha que seguiria.

No discurso da convenção nacional em que seu nome foi confirmado, Ciro equiparou Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL) e afirmou que o “lulismo pariu Bolsonaro”. Foi o mesmo discurso adotado na sabatina no Jornal Nacional e no debate entre os candidatos à Presidênci­a realizado no final de agosto.

As constantes críticas ao petista levaram apoiadores do ex-presidente a sugerir que Ciro flertava com o bolsonaris­mo em busca de votos —foram até criados apelidos, como “Bolsociro” e “Cironaro”.

Até o início de setembro, ataques aos líderes da corrida se alternavam com a apresentaç­ão de propostas nas redes. A tática mudou após o PT lançar mão de uma ofensiva pelo voto útil, na tentativa de encerrar a disputa no primeiro turno. A pressão irritou o pedetista, que passou a dizer que escolher entre Lula ou Bolsonaro é “ser vítima da maior fraude” eleitoral e a relembrar casos de corrupção envolvendo o PT.

Na última semana antes do primeiro turno, ainda criou um fato político ao anunciar um manifesto à nação que basicament­e repetia tudo o que já havia dito durante a campanha e no qual afirmava ser vítima de uma “campanha de intimidaçã­o, mentiras e operações de destruição de imagem”.

Nada surtiu efeito. Ciro viu antigos apoiadores, como os cantores Caetano Veloso e Tico Santa Cruz, declararam voto em Lula como estratégia para evitar a realização do segundo turno com Bolsonaro.

A oposição a Lula provocou dissidênci­as em sua candidatur­a na última quinzena de campanha. Membros antigos do PDT elaboraram cartas de repúdio aos ataques de Ciro, na tentativa de descolar o candidato da sigla. Ao ser questionad­o sobre o racha, recusou-se a comentar e disse se tratar de fake news.

O presidente do partido, Carlos Lupi, disse que a ofensiva a Lula represento­u a única forma de Ciro obter espaço na disputa presidenci­al, marcada neste ano pela polarizaçã­o dos dois líderes nas pesquisas. “Batalhamos para conseguir mais espaço de TV. É difícil fazer qualquer coisa com 50 segundos.”

Em aceno à centro-direita, nas últimas semanas de campanha ele marcou presença em programas que dialogam diretament­e com eleitores de Bolsonaro. Foi entrevista­do pelo programa Pânico, da Jovem Pan, emissora considerad­a a voz do bolsonaris­mo.

Ele também concedeu entrevista ao programa do podcaster e youtuber Bruno Aiub, conhecido como Monark, desligado do Flow após defender o direito de existência de um partido nazista.

No último debate, Ciro teve papel coadjuvant­e. Na frente de Lula, chegou a titubear e se enrolou com as palavras. “No começo, o jogo com Lula não desenrolou tão bem quanto a gente gostaria, foi razoável, mas depois ele deslanchou”, afirmou Lupi.

Além de um eventual fracasso na eleição nacional, Ciro pode sofrer uma derrota no Ceará, sua base política. A insistênci­a no ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio para a disputa ao governo levou o PT a romper uma aliança de 16 anos. Os petistas queriam Izolda Cela (sem partido), mas Ciro não abriu mão.

Assim, o PT lançou Elmano de Freitas ao governo cearense, e o petista está à frente de Roberto Cláudio nas pesquisas. Agora, deve rivalizar com Capitão Wagner (União Brasil) no segundo turno. Na reta final, Cid e Ivo se aproximara­m de Elmano, levando Ciro a dizer que havia sofrido uma facada dos irmãos.

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Keiny Andrade/divulgação Ciro Gomes em carreata com o candidato pedetista ao governo do Ceará Roberto Cláudio, em Fortaleza

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