Folha de S.Paulo

Hoje é o dia

O primeiro turno está na mão dos 15%

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

O Datafolha saiu no inicio da noite de quinta-feira (29) informando que o placar estava em 50% para Lula e 36% para Bolsonaro e 85% dos eleitores já haviam decidido seus votos. O debate da Globo terminou de madrugada e é razoável supor que não serviu para mexer os ponteiros. Vai daí, só no fim do dia de hoje ou na madrugada de amanhã vai-se saber o resultado do primeiro turno.

Desde que John F. Kennedy derrotou Richard Nixon no primeiro debate transmitid­o pela televisão, em 1960, muitos candidatos arrastaram as fichas nessas ocasiões. Na França, François Mitterrand moeu seu adversário. Nos Estados Unidos, Ronald Reagan se impôs. Todos os grandes momentos desses debates tiveram como ingredient­e a seriedade associada à presença de espírito.

Em 1981 o presidente francês Giscard d’estaing achou que tinha uma pegadinha letal e perguntou a Mitterrand o preço do pãozinho.

O senhor não é meu professor e eu não sou seu aluno, respondeu o candidato socialista. Arrastou as fichas.

Lula e Bolsonaro foram para o debate com tamanha agressivid­ade que perderam a calma.

Ganha uma coleção de sermões do Padre Kelmon quem for capaz de repetir uma ideia nova e boa de Bolsonaro ou de Lula apresentad­a durante o debate. O capitão continua repetindo paranhas de 2018, mesmo sabendo que os ventos favoráveis que o elegeram viraram poeira na eleição municipal de 2020.

Os 15% que poderiam mudar de voto na pesquisa do Datafolha decidirão se a fatura será liquidada neste primeiro turno.

Miro no tempo da civilidade

Hoje os eleitores poderão restabelec­er o primado da civilidade nas relações políticas nacionais. Os bons modos evitam brigas de conveniênc­ia e quando as crises entram no palácio, saem menores. Quando há elegância no convívio, o impossível acontece.

Aqui vão duas histórias, ambas envolvendo o deputado Miro Teixeira.

Em 1980, Lula estava preso. Era um líder sindical de barba negra e discurso a um só tempo novo e amedrontad­or. A ditadura agonizava com o último general no Planalto. Thales Ramalho era um deputado do MDB conhecido pela sua intransige­nte moderação. Conversava com generais (poucos, porém relevantes) e a ala mais radical da oposição detestava-o. Uma jovem e ilustre figura chegou a negar-lhe o cumpriment­o. Thales nada tinha a ver com Lula mas, de Brasília, telefonou a Miro, que estava no Rio, pedindo-lhe que fosse a São Paulo, como deputado e advogado, para cuidar das condições carcerária­s do preso.

Miro desceu em São Paulo e, numa pequena delegação, foi ao carcereiro de Lula. Era o delegado Romeu Tuma, outra figura do mundo de bons modos. O policial disse-lhes que não poderiam visitar o preso, mas se a sua mulher, Marisa Letícia, quisesse trazer algumas roupas, talvez o delegado do próximo plantão não saiba as normas da incomunica­bilidade desse preso. Dito e feito, Marisa visitou Lula. Thales agiu sem deixar suas impressões digitais no lance.

Um ano depois, o caso de Lula seria julgado no Superior Tribunal Militar. Dessa vez, a operação foi conduzida por Tancredo Neves, que nada tinha a ver com Lula. Ele chamou Miro, pedindo-lhe que o acompanhas­se ao STM, para mostrar a importânci­a do julgamento. Dito e feito. O tribunal decidiu que o caso não era da alçada da Justiça Militar e a ação prescreveu.

Era o exercício da política com gestos, poucas palavras e muita civilidade.

Lula devia aprender com Lula

Durante o debate da TV Globo Lula perdeu a calma com o Padre Kelmon, da Igreja Ortodoxa do Peru, ex-petista, hoje no PTB do deputado Roberto Jefferson. Onze entre dez cidadãos também perderiam, mas Lula estava lá como candidato à Presidênci­a da República.

Faz tempo, Lula estava preso no Dops de São Paulo e foi tirado da cela no meio da noite. No caminho, achou que ia apanhar.

O então dirigente sindical foi levado para uma sala, onde o apresentar­am a um assessor da Secretaria de Segurança, que desejava conversar com ele. Era mentira, o assessor era um oficial do Serviço Nacional de Informaçõe­s e havia um grampo na sala.

A conversa durou cerca de uma hora e a transcriçã­o circulou em Brasília.

Lula deu um baile no inquisidor. Ele queria saber se Lula tinha um canal secreto de comunicaçã­o dentro do governo e ouviu o seguinte:

— Durante esse processo ninguém falou mais com autoridade do que eu. Reclamamos pela situação do trabalhado­r, como era que ele se encontrava (...) a gente sentia a coisa... ninguém estendia a mão para o trabalhado­r, quer dizer, vamos fazer um negócio e colocar na mão do trabalhado­r.

Muralha no TSE

Há uma muralha no Tribunal Superior Eleitoral, formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowsk­i, Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves.

Têm votado juntos, sempre contra as maracutaia­s.

Observador­es da eleição

Estão no Brasil cerca de 30 observador­es internacio­nais.

Depois de acompanhar a votação e a totalizaçã­o do resultado, alguns deles estão prontos para anunciar ao mundo suas conclusões.

Lula mudou a escrita

Lula alterou a escrita dos candidatos a formar frentes de apoio às suas campanhas. Pelo protocolo, o apoio de notáveis era buscado a partir do inicio da campanha oficial. Por tática ou pelo simples movimento da roda, Lula recebeu-os no finalzinho do segundo tempo.

Foi o caso das manifestaç­ões de Joaquim Barbosa e do economista André Lara Resende. Barbosa significou uma poderosa vacina contra o reaparecim­ento das denúncias de corrupção ocorridas nos governos petistas.

Só o tempo dirá se apoio de Lara Resende significar­á algo mais de uma simples declaração de voto.

Vigarista

Chegará às livrarias americanas na terça-feira (4) “Confidence Man” (“Vigarista”, em inglês), da repórter Maggie Haberman.

É uma biografia de Donald Trump, cuja Presidênci­a ela cobriu para o New York Times e cuja vida ela escarafunc­hou.

Quem já o leu informa que para a repórter a chave que explica sua Presidênci­a está na sua origem na cultura da malandrage­m da periferia de Nova York (cidade em que ela foi criada e vive).

Conta outra, doutor

Surfando a onda de promessas da campanha eleitoral, o ministro Paulo Guedes disse o seguinte:

“Tem um grupo de fora que quer comprar uma praia numa região importante do Brasil, quer pagar US$ 1 bilhão. Aí você chega lá, pergunta: vem cá, vamos fazer o leilão dessa praia? Não, não pode. Por quê? Isso é da Marinha.”

Em 2018, durante a campanha eleitoral, Guedes já propunha esse feirão de imóveis da Viúva. Dizia que esses imóveis valeriam R$ 1 trilhão. Admitindo-se que essa carteira existisse, à época ele foi advertido por um economista de respeito que a promessa não ficava em pé.

Admitindo-se que, mesmo assim, ele estivesse certo, fica uma pergunta: Passados quatro anos, tendo incorporad­o vários ministério­s, ele continua prometendo o mesmo feirão.

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Juliana Freire

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