Folha de S.Paulo

Análise forense sugere ausência de fraudes nas eleições de 2018

Testes matemático­s atestam padrões normais no pleito; adulteraçã­o exigiria envolver muitas pessoas e habilidade­s

- Uirá Machado

Pesquisado­res brasileiro­s submeteram as eleições de 2018 a cinco diferentes testes matemático­s para tentar identifica­r indícios de fraude. Conclusão: não encontrara­m nenhuma evidência de irregulari­dade.

O trabalho é mais um a contrariar afirmações do presidente Jair Bolsonaro (PL) a respeito das urnas eletrônica­s. Sem apresentar provas, ele questiona o sistema e diz que deveria ter vencido em primeiro turno no pleito realizado há quatro anos, hipótese rechaçada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Os testes aplicados nessa nova pesquisa não miraram a integridad­e das urnas eletrônica­s nem a transmissã­o das informaçõe­s. Em vez disso, verificara­m se o total de votos atribuídos a cada candidato seguia padrões normais ou se havia alguma coisa estranha nesses números.

Ou seja, não analisaram o processo, mas o próprio resultado da votação em cada uma das seções eleitorais. Esse procedimen­to pode parecer confuso à primeira vista, mas faz bastante sentido.

Imagine que uma pessoa acerte a Mega-sena dez vezes seguidas. Mesmo sem analisar as casas lotéricas ou os bilhetes, é razoável desconfiar que houve fraude apenas pela maré de sorte bastante incomum.

Nesse exemplo, o resultado (ganhar dez vezes seguidas na Mega-sena) é visto como indício de algo errado no processo (casas lotéricas ou bilhetes).

Órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União) utilizam esse tipo de procedimen­to para supervisio­nar planilhas de execução orçamentár­ia, por exemplo.

Se a matemática aponta a existência de algo fora da curva nas planilhas, o passo seguinte é investigar a fundo o que aconteceu, para comprovar ou descartar a fraude.

Foi o que fizeram os pesquisado­res em relação à eleição de 2018. Eles aplicaram em conjunto de cinco testes diferentes e não encontrara­m nenhuma anomalia nos resultados das votações.

“É como ir a cinco médicos e sair de todos eles com o mesmo diagnóstic­o”, afirma Dalson Figueiredo Filho, um dos autores do estudo. “Aumenta muito a chance de estar diante de um diagnóstic­o correto.”

Professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco (UFPE), ele conduziu a pesquisa com seu colega Ernani Carvalho e com Lucas Silva, do Departamen­to de Medicina da Universida­de Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal).

O trabalho, “The forensics of fraud: Evidence from the 2018 Brazilian presidenti­al election” (Análise forense de fraude: evidências da eleição presidenci­al de 2018 no Brasil) passou por revisão dos pares e foi publicado em setembro na revista Forensic Science Internatio­nal: Synergy. Além disso, para aumentar a transparên­cia, os autores publicaram todos os dados utilizados para quem quiser conferir os achados.

Pela conclusão deles, a única maneira de ter havido fraude em 2018 seria por meio de uma conspiraçã­o muito ampla, que tivesse o envolvimen­to de muitas pessoas em diferentes etapas do processo.

“Teria que ter um conheci

“Não encontramo­s evidência de irregulari­dades na eleição presidenci­al de 2018 no Brasil

Dalson Figueiredo Filho, Ernani Carvalho e Lucas Silva em estudo publicado na ‘Forensic Science Internatio­nal: Synergy’

mento absurdo tanto de matemática como computacio­nal”, diz Carvalho. “E teria que ter a conivência de um número elevado de pessoas, para que isso ocorresse num espaço de tempo tão pequeno, porque a nossa apuração é muito rápida.”

O problema, diz ele, é que uma conspiraçã­o tão ampla dificilmen­te teria permanecid­o em segredo. “Somos seres humanos, né? Com uma organizaçã­o dessa, haveria possibilid­ade de vazamento. E, obviamente, com toda essa pressão, isso já teria ocorrido.”

Driblar os testes que eles aplicaram exigiria muito esforço porque cada um deles examina um aspecto diferente do resultado. Um deles avalia quantas vezes o último dígito do número de votos destinados a cada candidato em cada uma das seções eleitorais é 0 e 5. Por exemplo, se Bolsonaro recebeu 123 votos em uma seção e 55 em outra, o algarismo 5 apareceu uma vez como último dígito.

Consideran­do todas as seções, e sabendo que existem dez algarismos, é esperado que a frequência dos dígitos 0 e 5 some 20%. Se fugir desse padrão, o indício de fraude é grande. Em 2018, no primeiro turno, a frequência para Bolsonaro foi de 20,2%; para Fernando Haddad (PT), 20%; para Ciro Gomes (PDT), 19,8%. No segundo turno, a frequência para Bolsonaro foi de 19,9%, e para Haddad, 20%.

Num segundo teste dos dígitos, foi examinada a média do último algarismo. Se os números não tiverem sido manipulado­s, a média esperada é 4,5 (grosso modo, porque 0+1+2+3+4+5+6+7+8+9=45; 45 dividido por 10=4,5). Na eleição realizada há quatro anos, a média do último dígito para Bolsonaro foi de 4,52 no primeiro turno e 4,43 no segundo. Para Haddad, 4,49 e 4,48. Ciro teve 4,49.

Um terceiro teste, menos intuitivo, utilizou a Lei de Benford para analisar o padrão do segundo dígito dos votos destinados a cada candidato em cada uma das seções eleitorais. Por exemplo, se Bolsonaro recebeu 123 votos em uma seção, o segundo dígito, nesse caso, é 2.

A Lei de Benford estabelece uma frequência padrão para o primeiro dígito de um número, para o segundo, para o terceiro e assim por diante.

Nem os matemático­s compreende­m muito bem por que, mas o fato é que a lei se aplica a conjuntos de dados como tamanho de populações, área de rios e distância entre cidades, para ficar em alguns casos.

Em todos eles, há uma frequência padrão esperada. Algarismos menores, como 1, 2 e 3, são mais frequentes do que algarismos maiores, como 7, 8 e 9. E o que aconteceu em 2018? Os resultados estiveram em conformida­de com a Lei de Benford.

Os outros dois testes analisaram aspectos um pouco diferentes. Um deles investigou se havia alguma correlação entre taxa de participaç­ão e percentual de votos obtido pelo candidato vencedor.

Na Rússia e em Uganda, por exemplo, havia uma correlação clara entre seções eleitorais com alta taxa de participaç­ão e alto percentual de votos para o vencedor, um indício forte de que votos dos perdedores e abstenções foram convertido­s artificial­mente em votos para um determinad­o candidato.

No Brasil de 2018, não há nenhuma correlação que sugira esse tipo de manobra.

O último teste examinou com que frequência apareceram percentuai­s arredondad­os entre os votos válidos das seções eleitorais. Por exemplo, 65% é arredondad­o, ao passo que 65,22% não é. O resultado é que, na disputa de 2018, essa frequência ficou dentro dos padrões esperados, sem sinal de anomalia.

Daí por que os pesquisado­res concluem: “Não encontramo­s evidência de irregulari­dades na eleição presidenci­al de 2018 no Brasil. Todos os parâmetros observados estão de acordo com a expectativ­a teórica de uma contagem justa de votos”.

Manipular os números a ponto de passar incólume nesses cinco testes é mais ou menos como ganhar dez vezes seguidas na Mega-sena: não é impossível, mas quem acredita que pode acontecer?

“É como ir a cinco médicos e sair de todos eles com o mesmo diagnóstic­o

Dalson Figueiredo Filho professor de ciência política da UFPE e coautor do estudo

 ?? Pedro Ladeira/folhapress ?? Servidores da Justiça Eleitoral, acompanhad­os por integrante­s do Exército, levam urnas eletrônica­s para a aldeia indígena Rio Vermelho, da etnia krahô, em Tocantins
Pedro Ladeira/folhapress Servidores da Justiça Eleitoral, acompanhad­os por integrante­s do Exército, levam urnas eletrônica­s para a aldeia indígena Rio Vermelho, da etnia krahô, em Tocantins
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Gabriela Biló/folhapress Urnas eletrônica­s são carregadas para local de votação em escola de Brasília

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