Dia de começo e fim
Não há vergonha em defender a democracia. Esse é ato de grandeza, sempre
Há exatos quatro anos, o que se instalou no Brasil, a pretexto de sucessão presidencial, não era um novo governo. Foi o estado de terrorismo político. Veio a ser a continuidade lógica da fraude aplicada ao processo eleitoral a propósito de corrupção denunciada na Petrobras.
Hoje, a ameaça terrorista de impedir os brasileiros da única atribuição institucional que lhes deixaram, generosos, consagra um fato extraordinário: a numerosa união pela democracia, entre divergentes às vezes extremados, como mais um dos tão raros momentos de beleza na política.
Não há vergonha em defender a democracia. Esse é ato de grandeza, sempre. Vai além do significado eleitoral: atitude talvez insuspeitada, faz conhecer com mais justiça quem a pratica —e, em contrapartida, quem a recusa.
São gestos de independência e altivez. E é emocionante saber que pessoas centenárias vão às urnas com sua contribuição à democracia, porque “é preciso pacificar o país”.
Ser bolsonarista é, também, a incapacidade de ver o que constrói o momento particular que os brasileiros vivem, de um lado como de outro. Os anos recentes trouxeram indicações de que essa restrição perceptiva persiste em grande parte dos militares.
Por identificação com a direita extremada ou por outras causas, sua instabilidade entre bolsonarismo e legalismo foi o amparo para os feitos de Bolsonaro: aprofundar as históricas fendas econômicas e sociais, devastar a aparelhagem de condução do país e pôr em suspenso o valor da vida.
Com o ataque ao Estado de Direito, o próprio estado de terrorismo a ser perenizado pelo golpe.
É muito importante, pode mesmo ser decisivo, que a etapa eleitoral se encerre hoje. O intervalo até o segundo turno seria ainda mais perigoso, em violência até letal, do que o temido entre a eleição e a posse do eleito. Mesmo que a de Bolsonaro.
É isso, sim: o bolsonarismo tem um só plano para vindita de derrotado e para o pretendido poder sem opositores. Bolsonaro o disse: “É preciso matar uns 30 mil”.
Nenhuma previsão da conduta de militares em derrota de Bolsonaro merece maior credibilidade. É imprevisível a força armada presente em uma aberração como o sentido eleitoreiro dado ao Bicentenário da Independência.
Data nacional única em que o ponto a ecoar para a história, vindo do próprio presidente, foi gabar-se de sua fantasiada sexualidade —nem ao menos considerável, vista a quantidade de Viagra comprado em seu governo.
À nossa custa, o governo americano vive a interessante experiência de estar, até mais do que ausente, contrário a um golpe da direita. A defesa da democracia brasileira submete o bolsonarismo civil e militar a ameaças externas equivalentes, mas contrárias, às que faz aqui. Com uma diferença: montadas em tanques ou em motos, as ameaças bolsonaristas descobriram à sua frente uma consciência democrática de que nem os democratas tinham certeza.
Dois terços
A grande massa dos que vivem de trabalho acorda ainda na madrugada. Os que moram menos longe do emprego o fazem aí pelas 6h. Debate que começa às 22h30 não é para ser visto por dois terços do eleitorado, no mínimo. O confronto dos candidatos na TV Globo ficará simbolizado, no seu grotesco, pelo padre que não é padre. Um partido que leva tal vigarice a um programa de eleição presidencial, como fez o PTB de Roberto Jefferson, deveria ter o registro cassado e seus dirigentes processados, a bem do serviço de limpeza pública.
Na caverna
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, não comentou o que viu, se viu, no TSE. Mas possibilitou o que é, até agora, a foto simbólica deste período sem precedente, com os ataques às urnas, ao TSE, militares querendo controlar o processo eleitoral. A foto é de Pedro Ladeira, da Folha, e publicada pelo Globo de quinta (29).
Sisudo, rosto fixo para afrente, meio isolado, o general passa ao lado de uma divisória em vidro transparente. Do outro lado, bem iluminada, está a sala de apuração eleitoral, descrita por Bolsonaro e tida pelos bolsonaristas como “secreta e escura”.
Uma prova da vulnerabilidade eleitoral. O general fazia parte da visitação, a convite do ministro Alexandre de Moraes, ao que seria o laboratório cavernoso das fraudes inventadas por Bolsonaro e suspeitadas por militares.