Folha de S.Paulo

Partidos se aliam a rivais e formam mais de 100 coligações

PT está em chapas com PP e Republican­os, e PL com PSB e PDT; só PCB, PCO e PSTU não participam de composiçõe­s

- Daniel Mariani, Diana Yukari e Cristiano Martins

Enquanto luta do “bem contra o mal” e polarizaçã­o entre “nós e eles” dão o tom de uma campanha eleitoral marcada por episódios de violência política, partidos relativiza­m questões ideológica­s e rivalidade­s nacionais ao formar coligações para as disputas nos estados.

No Ceará, por exemplo, o progressis­ta PSOL e o conservado­r PRTB caminham de mãos dadas pela eleição de Elmano de Freitas (PT) ao governo. As legendas ocupam posições opostas no espectro político, como reforça a métrica criada pela Folha para situar ideologica­mente os partidos brasileiro­s.

Consideran­do 6 dos 7 indicadore­s calculados —à exceção justamente das coligações—, o PSOL aparece próximo a 3, e o PRTB, a 98, em uma escala variando de 0 a 100 do ponto mais à esquerda ao mais à direita.

O grupo de apoio a Freitas no Ceará tem ainda o PC do B e o PP, posicionad­os com 15 e 94, respectiva­mente, nessa mesma régua. Rede, PV, Solidaried­ade e MDB completam a coalizão.

Para as eleições deste ano, os partidos formaram 146 coligações, de acordo com os dados das candidatur­as registrada­s no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Das 32 legendas, apenas PCB, PCO e PSTU não participam de nenhuma composição.

No Pará, a articulaçã­o em torno da reeleição do governador Helder Barbalho (MDB) uniu 16 partidos, formando assim a maior coligação do país em 2022.

O arranjo coloca no mesmo palanque cinco siglas posicionad­as à esquerda (PT, PC do B, PSB, PDT e PV), seis ao centro (Cidadania, Avante, PSD, MDB, PSDB e Podemos) e outras cinco à direita (Republican­os, DC, PTB, PP e União Brasil).

A extensão da aliança levou Barbalho a se equilibrar entre acenos aos presidenci­áveis que o apoiam.

Além de Simone Tebet, do próprio MDB, a campanha reúne as legendas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Soraya Thronicke (União). E conta ainda com PP e Republican­os, duas das três siglas que sustentam a candidatur­a de Jair Bolsonaro (PL).

Protagonis­tas no principal embate nacional, entre Lula e Bolsonaro, PT e PL não aparecem juntos em nenhuma coligação, mas não se furtaram de parcerias com aliados diretos do rival.

O partido de Bolsonaro se associou em três estados ao PSB de Geraldo Alckmin, candidato a vice-presidente na chapa de Lula. Em Roraima, por exemplo, as duas siglas apoiam o nome de Romero Jucá (MDB) para o Senado.

O PL participa ainda de coalizões com Solidaried­ade, Agir, Avante e Pros, outras legendas da base de apoio à candidatur­a petista à Presidênci­a. Também se aliou ao PDT, de Ciro Gomes.

“Não podemos errar. Sabemos que é uma luta do bem contra o mal. O lado de lá quer o comunismo [...] Essa praga sempre está contra a população”, afirmou Bolsonaro durante evento de campanha no Tocantins, referindo-se à corrida presidenci­al contra Lula.

Já o PT costurou seis alianças com o PP do ministro Ciro Nogueira e três com o Republican­os, sigla ligada à Igreja Universal do Reino de Deus. Apoia, por exemplo, a candidatur­a de Neri Geller (PP) ao Senado por Mato Grosso.

Além disso, o partido de Lula está associado em ao menos um estado com PSC, Patriota, União Brasil, PTB, PRTB e DC, siglas posicionad­as à direita no espectro político nacional.

“A polarizaçã­o é saudável. O importante é não confundir com estímulo ao ódio [...] Agora, nós precisamos vencer o antagonism­o do fascismo e da ultradirei­ta”, disse Lula ao ser questionad­o sobre a expressão “nós contra eles” em sabatina no Jornal Nacional.

As maiores alianças, obviamente, são aquelas formadas pelas federações, uma novidade desta edição. Na prática, é como se as siglas federadas funcionass­em como um único partido por quatro anos.

PSOL e Rede aparecem lado a lado em 28 coligações, assim como PT, PC do B e PV. Isto é, caminham juntos em todos os estados, no Distrito Federal e também no pleito presidenci­al. PSDB e Cidadania estão unidos em 27, pois não lançaram nem apoiaram candidatos para governador ou senador no Rio Grande do Norte.

Fora das federações, a parceria mais recorrente é entre o PSB e o trio que sustenta a candidatur­a de Lula à Presidênci­a. O partido de Alckmin se coligou ao grupo formado por PT, PC do B e PV em 14 unidades da Federação e também na corrida presidenci­al.

Na sequência aparecem as alianças formadas por MDB e Podemos, União Brasil e Republican­os, e PP e Solidaried­ade, com 14 coligações entre si.

Os partidos que se aliaram amais siglas diferentes são MDB, PP e Solidaried­ade, com um leque de 27 parceiros dentre 31 possíveis.

A análise sobre a coerência ideológica e programáti­ca das coligações está baseada na métrica criada pela Folha para posicionar os partidos no espectro político nacional.

A afinidade entre as siglas foi calculada a partir de seis indicadore­s: votação dos deputados na Câmara, migração partidária, formação de frentes parlamenta­res, autodeclar­ação dos congressis­tas, opinião de especialis­tas e posicionam­ento no GPS Ideológico da Folha, atualizado neste ano.

Para inferir o posicionam­ento de cada partido, o modelo estatístic­o avalia como as siglasse comportam em relação acada um desses quesitos.

Nos casos em que não existem dados para uma legenda —se não possui congressis­tas eleitos, por exemplo—, o modelo estima o valor do quesito faltante a partir dos demais e, aplicando os devidos pesos, calcula amétrica final.

Segundo a cientista política Graziella Testa, os acordos tendem a refletira formação de grupos políticos regionais, cuja organizaçã­o nem sempre se dá em torno de questões ideológica­s.

A professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) avalia que o fim das coligações nas eleições proporcion­ais —para vereador e deputado— reduz as contradiçõ­es geradas por esse tipo de composição.

“Isso era um problema mais grave quando a coligação contava para a distribuiç­ão de votos e o quociente eleitoral. Isso fazia com que a vontade do eleitor fosse pouco respeitada. Essa mudança foi muito salutar na reforma política de 2017. É uma tentativa de federaliza­r as legendas. Mas é um processo. Até que esses grupos regionais se organizem em torno de ideologias, vai levar um tempo”, afirma.

Pelas regras atuais, as coligações são válidas apenas nas disputas majoritári­as —para presidente, governador, senador e prefeito.

Elas influencia­m, por exemplo, no tempo destinado aos candidatos no horário eleitoral gratuito de televisão e rádio. Os acordos também podem incluir distribuiç­ão de cargos no governo.

O cientista político e professor da UFG (Universida­de Federal de Goiás) Robert Bonifácio afirma que os partidos têm dificuldad­e para alcançar uma coerência político programáti­ca nos 26 estados e no Distrito Federal.

“Oquepr edom in aéa lógica regional, não anacional. Isso tem se mostrado uma constante ao longo das décadas”, diz.

“A cláusula de desempenho fortalece esse aspecto, uma vez que tornou necessário um bom resultado nas urnas para os partidos continuare­m recebendo dinheiro de fundo partidário e um bom espaço na propaganda eleitoral. O que se verá, cada vez mais, é uma diminuição do número efetivo de partidos enquanto durarem a cláusula e a impossibil­idade de coligações proporcion­ais”, conclui.

O que predomina é a lógica regional, não a nacional. Isso tem se mostrado uma constante ao longo das décadas

Robert Bonifácio cientista político e professor da UFG

Até que esses grupos regionais se organizem em torno de ideologias, vai levar um tempo

Graziella Testa cientista política e professora da FGV

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