Folha de S.Paulo

Tamanho do centrão é chave, seja o presidente Lula ou Bolsonaro

Para coordenado­r do Observatór­io do Legislativ­o Brasileiro, Congresso tem se tornado o epicentro do processo político no país

- Uirá Machado

Seja quem for o presidente eleito neste ano, o tamanho do centrão será a chave para a relação entre o Executivo e o Legislativ­o, afirma o cientista político Fabiano Santos. Mas, diz ele, não pelos mesmos motivos.

Caso vença Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o melhor cenário seria um centrão menor, para que ele possa organizar uma coalizão em torno de compromiss­os programáti­cos.

Na hipótese de Jair Bolsonaro (PL) ser reeleito, afirma, dáse o oposto. O melhor cenário é com um centrão inchado, pois o bloco pragmático funciona como fator de mitigação das caracterís­ticas extremadas do presidente.

Contornar o centrão está fora de questão, diz Santos, que coordena o Observatór­io do Legislativ­o Brasileiro no Iespuerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro).

“Faz parte da democracia. O Executivo precisa olhar a correlação de forças no Congresso e organizar uma coalizão minimament­e operaciona­l e definir uma agenda clara para o país”, afirma.

Para ele, o Congresso Nacional foi conquistan­do protagonis­mo crescente desde a redemocrat­ização e tem se tornado o epicentro do processo decisório político no país.

Neste ano, muitos partidos lançaram nomes de peso para a Câmara. A que se deve essa estratégia?

É difícil avaliar estratégia­s dos partidos no âmbito nacional, porque a decisão de organizar a lista e a chapa é tomada no âmbito estadual. A pergunta é: a mesma estratégia vale para o conjunto dos partidos e para o conjunto dos estados? Vamos supor que sim.

É claro que o Legislativ­o brasileiro tem assumido um protagonis­mo cada vez maior. O episódio mais sintomátic­o foi o impeachmen­t de Dilma Rousseff [PT], mas outros fatos giram em torno desse mesmo aspecto. Por exemplo, a aprovação das emendas impositiva­s e, mais recentemen­te, toda a polêmica em torno do orçamento secreto. O poder de decidir a alocação do dinheiro arrecadado dos impostos tem aumentado muito.

Então, é muito razoável imaginar que os partidos vejam o lançamento de candidatur­as fortes para o Legislativ­o como uma estratégia importante, porque o Legislativ­o tem se tornado cada vez mais o epicentro do processo decisório.

Quanto desse fortalecim­ento do Congresso se deve a uma fraqueza dos últimos presidente­s e quanto é uma evolução natural?

Uma caracterís­tica da transição democrátic­a no Brasil é o Legislativ­o hipotrofia­do e o Executivo hipertrofi­ado, como herança do período autoritári­o. O poder de decreto foi mantido, por exemplo, assim como vários outros procedimen­tos de poder extraordin­ário do Executivo. Isso contribuiu para ter esse Poder como centro quase incontrast­ável do processo decisório.

Aos poucos, o Congresso foi conquistan­do suas prerrogati­vas. Na medida do possível, foi querendo se estabelece­r como ator protagonis­ta, foi estabelece­ndo limites para a atuação incontrast­ada do Executivo e foi acumulando capacidade institucio­nal.

Por outro lado, aqueles partidos que uma vez foram governo passaram a atuar no Congresso. Grupos de interesse que não conseguiam ter entrada no Executivo passaram a atuar no Legislativ­o. E é natural que esse espaço de poder seja ativado pelas forças partidária­s e pela sociedade para pautar a sua agenda.

E, ao lado disso, tem a conjuntura. Tanto Dilma teve dificuldad­es em organizar o processo político —por fatores de crise: externa, econômica, de investigaç­ão de corrupção— quanto o atual presidente teve muitos problemas no seu mandato, mas por decisões próprias de não organizar uma coalizão com os principais partidos e definir uma agenda clara de políticas públicas com o Congresso.

Então, na medida em que a conjuntura permite, o Congresso vai abocanhand­o cada vez mais espaço.

Essas alterações são, na sua visão, positivas ou negativas?

É difícil fazer uma avaliação em bloco. Nós temos modificaçõ­es positivas, como a mudança na tramitação das medidas provisória­s. Antes, o Executivo podia reeditá-las sem que finalmente fossem aprovadas pelo Congresso. Em 2001, isso mudou, e a aprovação pelo Congresso, num prazo definido, tornou-se obrigatóri­a. Essa mudança foi muito importante, porque exige que o Executivo busque a cooperação dos partidos no Congresso para aprovar sua agenda.

Mais recentemen­te, tivemos algumas modificaçõ­es que precisam ser corrigidas logo no desdobrame­nto do novo governo, como a nova lei orçamentár­ia das emendas impositiva­s. Eu não acho que, em si, ela seja ruim. É razoável que o Executivo não tenha poder ilimitado de contingenc­iar aquela parcela pequena de investimen­tos sobre a qual o Legislativ­o pode falar alguma coisa.

Mas não é razoável o que aconteceu em 2020, com a retomada das emendas de relator. Foi uma medida aprovada de comum acordo entre Executivo e Legislativ­o e que significa um enorme retrocesso, porque retira transparên­cia do processo.

A avaliação do Congresso nas pesquisas de opinião costuma ser ruim. Tem alguma reforma que poderia ser feita para melhorar a qualidade da representa­ção parlamenta­r?

É possível pensar em reformas que aperfeiçoe­m o processo legislativ­o e a democracia, mas é muito difícil associar essas mudanças a uma repercussã­o positiva na opinião pública. O Congresso tem 513 deputados e 81 senadores. Tudo que acontece de ruim com um deles acaba carregando junto a imagem do Congresso. A avaliação que as pessoas fazem do conjunto institucio­nal é muito contaminad­a por fatos individuai­s bombástico­s e negativos.

Mas, embora a avaliação continue baixa, ela tem sido revertida [nos últimos anos] porque o Congresso se posicionou de maneira razoável em relação ao governo Bolsonaro, à decisão dele de não fazer coalizão, à posição negacionis­ta na pandemia. Dentro das limitações, o Congresso foi muito eficiente na resposta. Colocou o mínimo ao país.

É possível imaginar como vai ser a cara do próximo Legislativ­o?

As mudanças são importante­s, e os efeitos, difíceis de medir. Sabemos que a esquerda e a centro-esquerda lançaram um número muito menor de candidatur­as do que a direita. Se a gente considerar que o número de candidatos é preditor do tamanho das bancadas, podemos prever que a composição ideológica do Congresso, hoje bastante inclinada para a direita, não vai mudar tanto assim.

Temos diferentes vetores caminhando em diferentes direções. Do ponto de vista do número de partidos, a tendência é que ele diminua. Mas, no agregado ideológico, a gente pode imaginar que será um Congresso de centro-direita com um pouco mais de equilíbrio para a esquerda.

Supondo esse cenário, do ponto de vista da relação com o Congresso, qual é o maior desafio do próximo presidente?

A chave para essa pergunta é o tamanho do centrão, e é curioso notar que as respostas caminham em sentidos distintos. Para Lula, um centrão muito grande é um risco para a montagem da sua coalizão, porque o centrão, por conta da sua maleabilid­ade, mostrou ser um bloco que, dadas as condições, pode compor uma força para um impediment­o. Então ao Lula interessa diminuir o tamanho do centrão, porque isso significar­ia aumentar a parcela dos partidos de centro mais liberal e dos chamados progressis­tas, de forma que possa dar um caráter mais programáti­co à organizaçã­o da sua coalizão.

Num governo Bolsonaro, um centrão inchado é interessan­te, porque o centrão também é um grupo de políticos pragmático­s, para os quais a manutenção do jogo eleitoral é importante. Portanto, o centrão é um fator de mitigação do caráter mais ideologiza­do, mais extremado do Bolsonaro. Isso foi verdade durante seu primeiro mandato.

O presidente tem como contornar o centrão?

Não. Faz parte da democracia compor com as forças representa­das no Legislativ­o. O Executivo precisa olhar a correlação de forças no Congresso e organizar uma coalizão minimament­e operaciona­l e definir uma agenda clara para o país.

Se Lula encarar um centrão inchado, vai ter que negociar com aquelas parcelas desses partidos que estão dispostas a negociar.

No caso do Bolsonaro, é um pouco mais complexo por conta da caracterís­tica dele, de permanente­mente deslegitim­ar o próprio processo democrátic­o. Se ele encara um Congresso mais problemáti­co para ele, com centrão menos inchado, vai precisar discutir uma agenda com o Congresso, no seu conteúdo.

“Faz parte da democracia compor com as forças representa­das no Legislativ­o. O Executivo precisa olhar a correlação de forças no Congresso e organizar uma coalizão minimament­e operaciona­l e definir uma agenda clara para o país

 ?? Eduardo Anizelli/folhapress ?? Fabiano Guilherme Mendes Santos, 58
Mestre e doutor em ciência política, é professor e pesquisado­r do Iesp-uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Observatór­io do Legislativ­o Brasileiro. É subcoorden­ador do Instituto da Democracia e da Democratiz­ação da Comunicaçã­o, que faz parte do Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
Eduardo Anizelli/folhapress Fabiano Guilherme Mendes Santos, 58 Mestre e doutor em ciência política, é professor e pesquisado­r do Iesp-uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Observatór­io do Legislativ­o Brasileiro. É subcoorden­ador do Instituto da Democracia e da Democratiz­ação da Comunicaçã­o, que faz parte do Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia

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