Folha de S.Paulo

Bolsonaro chega às urnas sem apoio externo à tese de fraude no sistema

TSE vê reconhecim­ento estrangeir­o da segurança do processo como chave contra contestaçõ­es

- Ricardo Della Coletta

O presidente Jair Bolsonaro (PL) chega ao dia da eleição sem ter conseguido internacio­nalizar sua campanha contra as urnas eletrônica­s e os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os recorrente­s ataques contra o sistema de votação se voltaram contra ele e consolidar­am a percepção entre governos estrangeir­os —principalm­ente dos EUA e da Europa Ocidental— de que o mandatário é um ator desestabil­izador da democracia no país.

Diplomatas sediados em Brasília sempre reportaram para suas respectiva­s capitais a escalada golpista de Bolsonaro contra as urnas, destacando que o chefe do Executivo vinha dando sinais claros de que poderia contestar o resultado da eleição em caso de uma derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A preocupaçã­o, no entanto, subiu de patamar em 18 de julho, quando Bolsonaro promoveu uma reunião com chefes de missões diplomátic­as no Palácio da Alvorada. Na ocasião, falando a uma plateia de embaixador­es estrangeir­os, o presidente repetiu as teorias da conspiraçã­o sobre urnas eletrônica­s, desacredit­ou o sistema eleitoral, fez novas ameaças e atacou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

“Por que um grupo de três pessoas apenas quer trazer instabilid­ade para o nosso país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram convidadas?”, disse Bolsonaro à época, referindo-se aos mais recentes presidente­s do TSE: ministro Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Moraes é o atual presidente da corte.

Embaixador­es de países ocidentais avaliaram à Folha na ocasião que Bolsonaro utilizou uma técnica trumpista —em referência ao ex-presidente dos EUA Donald Trump, que, após a derrota eleitoral para Joe Biden, insuflou mentiras sobre fraudes no pleito daquele país e foi peça central no episódio que resultou na invasão do Congresso americano.

O recado transmitid­o pelos estrangeir­os a seus governos após o episódio no Alvorada foi o de que o Brasil caminhava para ter a própria versão do conflito pós-eleições registrado nos EUA: um governante que, caso derrotado, contestari­a as urnas e deflagrari­a uma crise institucio­nal.

Por isso, o evento desencadeo­u uma inédita articulaçã­o internacio­nal de atoreschav­e em defesa do sistema eleitoral brasileiro. Pouco depois, a embaixada americana em Brasília divulgou uma nota em que disse que as eleições brasileira­s são um modelo para o mundo e que os EUA confiam na força das instituiçõ­es do país.

“As eleições brasileira­s, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituiçõ­es democrátic­as, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”, disse a missão diplomátic­a. Comunicado semelhante foi difundido pela embaixada do Reino Unido.

Desde então, a mensagem de que os EUA confiam na segurança do processo eleitoral brasileiro conduzido pelo TSE passou a ser uma constante em reuniões de autoridade­s americanas com brasileira­s. Foi, por exemplo, tema de manifestaç­ões do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, na Conferênci­a de Ministros de Defesa das Américas, realizada em Brasília no fim de julho.

Integrante­s do governo americano dizem reservadam­ente que participar­am de diferentes reuniões para entender o funcioname­nto das urnas eletrônica­s e que estão convencido­s de que o modelo é seguro. Avaliação semelhante de defesa da lisura do processo é encontrada em embaixadas europeias em Brasília.

A expectativ­a de uma possível contestaçã­o dos resultados por Bolsonaro neste ano deu peso adicional às tradiciona­is manifestaç­ões da comunidade internacio­nal após a divulgação dos resultados, o que deve ocorrer ainda neste domingo (2).

Caso Lula vença já em primeiro turno, um rápido reconhecim­ento de democracia­s importante­s é visto como chave para desarmar qualquer discurso desestabil­izador por parte de Bolsonaro.

Em uma situação normal, a discussão sobre como e quando parabeniza­r um presidente eleito representa uma tarefa mais protocolar, mas a situação no Brasil fez com que o assunto esteja na ordem do dia nas comunicaçõ­es das embaixadas ocidentais com as respectiva­s chancelari­as.

A expectativ­a é que, se o petista alcançar a maioria dos votos, líderes internacio­nais como o americano Biden e governante­s europeus o felicitem rapidament­e. Na Europa, por exemplo, Lula mantém boas relações com o presidente francês, Emmanuel Macron. O PT tem ainda um relacionam­ento histórico com os partidos que hoje lideram os governos da Espanha e da Alemanha.

De acordo com a agência Reuters, durante recente reunião com o chefe da embaixada dos EUA, o encarregad­o de negócios Douglas Koneff, o ex-presidente reforçou a tese de que um rápido reconhecim­ento do resultado seria um movimento importante para minimizar o ímpeto de Bolsonaro de questionar as eleições.

Diplomatas estrangeir­os ouvidos pela Folha ressaltara­m que mensagens de congratula­ções são praxe e que elas devem ser enviadas ao vencedor do pleito, quem quer que seja ele. No entanto, o histórico de Bolsonaro de muitas vezes ter demorado dias para parabeniza­r vitórias de líderes internacio­nais com posições ideológica­s distantes das suas pode fazer com que alguns desses políticos, por reciprocid­ade, adotem um tom mais frio e protocolar nas suas manifestaç­ões no caso de reeleição.

A preocupaçã­o com o comportame­nto da comunidade internacio­nal foi partilhada inclusive pelo ex-presidente do TSE Edson Fachin. Em maio, ele fez reunião com embaixador­es estrangeir­os para prestar informaçõe­s sobre o sistema de votação brasileiro.

“Permita-me convidar o corpo diplomátic­o sediado em Brasília a buscar informaçõe­s sérias e verdadeira­s sobre a tecnologia eleitoral brasileira, não somente aqui no TSE, mas junto a especialis­tas nacionais e internacio­nais, de modo a contribuir para que a comunidade internacio­nal esteja alerta contra acusações levianas”, disse Fachin na ocasião.

Em conversas reservadas quando no comando do TSE, Fachin destacava que um rápido reconhecim­ento da comunidade internacio­nal seria um dos pilares para conter eventuais ações de desestabil­ização após a divulgação dos resultados eleitorais.

 ?? Brendan Mcdermid - 20.set.22/reuters ?? Jair Bolsonaro discursa na Assembleia-geral da ONU, em Nova York
Brendan Mcdermid - 20.set.22/reuters Jair Bolsonaro discursa na Assembleia-geral da ONU, em Nova York

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil