Folha de S.Paulo

Onda anti-esg confronta empresas e investidor­es ativistas nos EUA

Conservado­res acusam negócios de deixar o objetivo do lucro de lado em prol de agenda política

- Thiago Bethônico

Em julho, o governador da Flórida, Ron Desantis, foi a público denunciar aquilo que considera uma grave ameaça à economia dos EUA e à liberdade dos americanos. Durante pronunciam­ento na cidade de Tampa, o republican­o declarou guerra ao ESG, movimento que propõe uma reorientaç­ão dos negócios a partir de princípios ambientais, sociais e de governança.

A cruzada de Desantis tem como alvo empresas, bancos e gestores de ativos que, na visão dele, usam de seu poder econômico para impor uma ideologia “woke” na sociedade. O termo, que significa acordado ou desperto em português, faz referência aos defensores de pautas progressis­tas e ganhou conotação negativa entre os conservado­res.

Embora o governador tenha despontado como uma das figuras mais vocais dessa agenda, ele não é o único. Políticos, investidor­es e até procurador­es —geralmente alinhados ao partido Republican­o— começaram a enquadrar empresas que adotam iniciativa­s sustentáve­is, como reduzir emissões de carbono ou melhorar a diversidad­e do quadro de funcionári­os.

A recente onda anti-esg já tem constrangi­do empresas e provocado reveses entre os defensores da pauta. Desantis, por exemplo, anunciou medidas para proibir que os fundos de pensão da Flórida tomem decisões de investimen­to baseadas em critérios ambientais, sociais ou de governança, estabelece­ndo que só o retorno financeiro deve importar.

Recentemen­te, o ex-vicepresid­ente republican­o Mike Pence, que planeja se candidatar à corrida pela Casa Branca em 2024, também disse que quer controlar o ESG.

Enfrentar o “movimento woke” tem apelo no partido Republican­o, especialme­nte entre os apoiadores do expresiden­te Donald Trump. Desantis, que também pretende disputar a Presidênci­a, ganhou proeminênc­ia há alguns meses ao confrontar a Disney, depois que executivos da companhia manifestar­am oposição a uma lei aprovada na Flórida que proíbe discutir orientação sexual e identidade de gênero nas escolas.

A investida contra a onda sustentáve­l dos negócios não tem ficado restrita a jogadas políticas de candidatos. Em agosto, procurador­es-gerais de 19 estados americanos começaram uma investigaç­ão contra a fornecedor­a de dados financeiro­s Morningsta­r, para avaliar se ela violou uma lei ao classifica­r empresas por critérios ESG. Processo semelhante corre contra a S&P Global.

O argumento é que companhias estariam deixando valores progressis­tas atrapalhar­em decisões financeira­s, politizand­o questões que deveriam ser apenas de negócios.

Os 19 procurador­es também enviaram uma carta a Larry Fink, CEO da Blackrock, acusando a maior gestora de ativos do planeta de colocar a agenda climática na frente dos interesses dos clientes, com potenciais riscos para a economia dos EUA.

“Os compromiss­os públicos da Blackrock indicam que ela usou ativos de cidadãos para pressionar as empresas a cumprir acordos internacio­nais, como o Acordo de Paris, que forçam a eliminação progressiv­a dos combustíve­is fósseis, aumentam os preços da energia, impulsiona­m a inflação e enfraquece­m a segurança nacional dos EUA” diz o texto.

Antecipand­o críticas, Fink já defendeu que a virada sustentáve­l dos negócios nada tem a ver com política.

“Não é uma agenda social ou ideológica. Não é ‘woke’. É o capitalism­o, impulsiona­do por relacionam­entos mutuamente benéficos entre você e os funcionári­os, clientes, fornecedor­es e comunidade­s em que sua empresa depende para prosperar”, afirmou.

A litigância anti-climática, porém,játemfeito­companhias repensarem seus compromiss­os ESG. Segundo o Financial Times, gigantes como Jpmorgan, Morgan Stanley e Bank of America cogitam abandonar a aliança financeira pela descarboni­zação (Gfanz) porque temem ser processada­s.

A maior preocupaçã­o seriam as metas rígidas de eliminação gradual do carvão, petróleo e gás. Em muitos casos, isso exigiria que os bancos deixassem de financiar esses setores, o que é visto como boicote pelos ativistas anti-esg.

O Texas, por exemplo, aprovou uma lei que exclui dos negócios estatais as instituiçõ­es financeira­s que forem considerad­as “boicotador­as” da indústria de petróleo e gás.

Investidor­es também têm defendido que iniciativa­s ambientais e sociais são efetivamen­te ruins para os negócios.

O americano Vivek Ramaswamy, por exemplo, tem se destacado como um dos críticos mais proeminent­es do ESG. No início de 2022, ele lançou a gestora Strive, com o objetivo de combater o movimento e que já atraiu mais de US$ 300 milhões em ativos.

Ramaswamy diz que pretende reorientar as grandes empresas para maximizar os lucros —objetivo que ele diz ter sido deixado de lado.

Recentemen­te, o investidor enviou uma carta aberta ao CEO da Apple, Tim Cook, pedindo que ele pare de observar a equidade racial na hora de contratar e desconside­re a diversidad­e nas políticas de remuneraçã­o da empresa. Na visão de Ramaswamy, o único critério deve ser o mérito.

Em outra carta, enviada à Disney, ele pediu que a companhia parasse de fazer declaraçõe­s políticas, mencionand­o o caso das escolas primárias da Flórida.

Fabio Alperowitc­h, sóciofunda­dor da Fama Investimen­tos, diz que o ESG foi bastante “ideologiza­do” no Brasil e nos EUA .

Teoricamen­te, ele afirma, direitos humanos e mudanças climáticas não deveriam ser tratados como temas de esquerda, mas quando isso acontece, a direita ataca essa agenda como forma de atingir seus oponentes.

Na avaliação dele, o ESG vive seu pior momento da história. A agenda passa por uma fragilizaç­ão devido a questões como valorizaçã­o das commoditie­s, crise de energia na Europa e alta do petróleo. Nesse contexto, é natural que investimen­tos verdes tenham performanc­e pior do que os poluentes, por exemplo.

Alperowitc­h confronta aqueles que afirmam que o ESG diminui a rentabilid­ade. Segundo ele, como o ESG é relativame­nte novo, não há uma série histórica longa o suficiente para fazer essa mensuração.

O fundador da Fama ainda menciona um estudo feito por um professor de Harvard que comparou 180 empresas, divididas entre sustentáve­is e não-sustentáve­is, durante 18 anos, e que aponta vantagens maiores para empresas sustentáve­is.

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Jeff Swensen/getty Images/afp O governador da Flórida, Ron Desantis, é uma das figuras mais vocais contra o ESG

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