Folha de S.Paulo

Liderança em microchips é um escudo para Taiwan

Fornecimen­to de semicondut­ores é crítico para o comércio, a guerra e a paz

- Jeff Sommer Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

NOVA YORK | THE NEW YORK TIMES Não é só por razões geopolític­as que Taiwan continua importante para os Estados Unidos. A ilha reivindica­da pelos chineses também é protegida por algo muito mais sutil —seu papel central nos mercados mundiais.

Mais especifica­mente, Taiwan é um colosso no mercado global de semicondut­ores, o cérebro da eletrônica moderna. Seu domínio da fabricação de microchips é tão essencial para a economia do século 21 quanto o petróleo era há cem anos.

Taiwan produz a maioria dos chips de silício de alta tecnologia do mundo —lascas do tamanho de uma unha, nas quais estão embutidos bilhões de transistor­es microscópi­cos.

Os melhores chips são feitos na Taiwan Semiconduc­tor Manufactur­ing Company, ou TSMC, que talvez seja a empresa mais importante da qual a maioria das pessoas nos Estados Unidos nunca ouviu falar.

A Taiwan Semiconduc­tor é a empresa mais valiosa da Ásia e uma das 12 mais valiosas do mundo, com uma capitaliza­ção de mercado superior a US$ 400 bilhões (R$ 2,047 trilhões).

Se você investe em ações internacio­nais por meio de um fundo mútuo amplo e diversific­ado ou fundo negociado em Bolsa, provavelme­nte possui uma parte dela.

Tem sido um investimen­to esplêndido. Ao longo dos 20 anos até 7 de setembro, retornou 18,6% ao ano, incluindo dividendos, segundo dados da Factset.

Suplantou o S&P 500, com um retorno anual de 10,3%, e a Intel, maior fabricante de chips americana, com 6,7%.

Taiwan Semiconduc­tor não é um nome conhecido porque não vende seus produtos diretament­e aos consumidor­es. Mas seus próprios clientes certamente são. Os microchips que ela fabrica para a Apple são o núcleo de cada iphone vendido.

O iphone 13 mini no meu bolso, assim como os novos modelos do iphone 14 apresentad­os recentemen­te, são construído­s em torno de chips projetados pela Apple na Califórnia, produzidos pela Taiwan Semiconduc­tor em Hsinchu e enviados para montagem na China continenta­l ou talvez, atualmente, em outro país.

As origens da história de sucesso de Taiwan estão na década de 1980. O governo de Taiwan queria desenvolve­r um Vale do Silício local, tinha terras baratas, capital disponível e uma força de trabalho altamente qualificad­a, disposta a trabalhar por salários muito mais baixos do que eram pagos por empresas nos Estados Unidos.

Mas não tinha a experiênci­a até trazer Morris Chang, um veterano de tecnologia dos EUA nascido na China, que percebeu que fabricar chips, e não projetá-los, seria o forte de Taiwan.

Chang fundou a Taiwan Semiconduc­tor, e o resto é história.

A China fez da produção de seus próprios chips de silício de última geração uma prioridade nacional, mas não conseguiu alcançar Taiwan.

O governo Biden pretende garantir que isso não aconteça, impondo restrições à exportação para a China dos chips mais avançados —e de equipament­os para fabricação de chips. E com US$ 50 bilhões (R$ 255 bilhões) da nova Lei de Chips e Ciência o governo está tentando trazer parte da fabricação dos melhores chips de volta para os Estados Unidos.

Como diz David Leonhardt, “a categoria mais avançada de semicondut­ores produzidos em massa —usados em smartphone­s, tecnologia militar e muito mais— é conhecida como 5 nm. Uma única empresa em Taiwan, chamada TSMC, produz cerca de 90% deles. As fábricas dos EUA não produzem nada”.

As estruturas gravadas nesses microchips são muito pequenas. “Nm” é a abreviação de nanômetro. Leia isto devagar: um nanômetro é um milionésim­o de milímetro.

O coronavíru­s que começou a se espalhar pelo planeta em 2020 tinha apenas cerca de 100 nanômetros de diâmetro. No mesmo ano, a Taiwan Semiconduc­tor estava gravando formas com menos da metade desse tamanho em dezenas de milhões de chips para a Apple.

Além disso, os sistemas de armas modernos de todas as descrições e a infraestru­tura de telecomuni­cações do mundo, além de aplicações em inteligênc­ia artificial, veículos autônomos e muito mais, dependem desses chips extremamen­te complexos.

Como Dale C. Copeland, professor de relações internacio­nais da Universida­de da Virgínia, escreveu na Foreign Affairs: “A China hoje tem capacidade de produzir chips com transistor­es de tamanho inferior a 15 e até 10 nanômetros. Mas, para permanecer na vanguarda dos desenvolvi­mentos tecnológic­os”, a China precisa de chips “medindo menos de 7 ou de 5 nanômetros, que apenas Taiwan pode produzir em massa com alto nível de qualidade”.

Os problemas centrais na relação Eua-china nunca foram resolvidos. Desde o Comunicado de Xangai de fevereiro de 1972, que reabriu as relações diplomátic­as, os dois lados concordara­m que existe apenas “uma China”.

Os líderes chineses deixaram claro que “a questão de Taiwan é a questão crucial que obstrui a normalizaç­ão das relações entre a China e os Estados Unidos” e, 50 anos depois, continua sendo um enorme problema.

A China preferiria alcançar a reunificaç­ão pacificame­nte, mas não descarta uma solução militar, se for o caso. Os Estados Unidos continuam comprometi­dos em proteger Taiwan, mas não podem impedir a China de degradar ou destruir as capacidade­s de fabricação de semicondut­ores da ilha.

A extraordin­ária importânci­a da indústria de semicondut­ores de Taiwan no comércio mundial pode ser a única coisa capaz de fornecer essa proteção.

No momento, porém, quase todo o mundo depende do poder do escudo de silício.

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Ann Wang - 16.set.22/reuters Instituto de Pesquisa de Semicondut­ores de Taiwan (TSRI, na sigla em inglês), em Hsinchu

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