Folha de S.Paulo

‘Mamãe, por que você tá azul?’

Entre furto e latrocínio, a elite escolhe o latrocínio

- Antonio Prata Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas” | dom. Antonio Prata | seg. Marcia Castro, Maria Homem | ter. Vera Iaconelli | qua. Ilona Szabó de Carvalho, Jairo Marques | qui. Sérgio Rodrigues | sex. Tati Bernardi | sáb. Oscar Vilhena Vie

Estranha elite, a nossa: entre o furto e o latrocínio, escolhe o latrocínio. O que é mais grave: corrupção na Petrobras ou 700 mil mortos na pandemia? (Bolsonaro sabotou todas as medidas sanitárias, tirou máscara do rosto de criança, atrasou a compra e fez campanha contra a vacina). Corrupção na Petrobras ou policiais sufocando um homem inocente numa câmara de gás improvisad­a no fundo de um camburão? (Dias após o assassinat­o, Bolsonaro veio a público... Elogiar a PRF).

O que é mais perigoso: corrupção na Petrobras ou uma ditadura, que Bolsonaro vive enaltecend­o e ameaçando reeditar? O que é mais grave: a corrupção na Petrobras ou a desertific­ação da Amazônia, que vai esculhamba­r com o clima na Terra nos próximos séculos ou milênios, caso desmatemos só mais um tiquinho? Pois a maioria dos nossos empresário­s, fazendeiro­s e financista­s acha que pior do que tudo isso é a corrupção na Petrobras.

No tétrico debate desta quinta-feira (29) ficou claro que também para a maior parte dos candidatos o risco de vermos o fim da democracia é menor do que o risco de que haja corrupção. Um detalhe curioso: o risco de que haja corrupção por parte do PT assusta muito mais do que qualquer corrupção da família Bolsonaro. Os 51 imóveis comprados com papel-moeda e o orçamento secreto surgiram de leve, no debate. Só Lula mencionou as barras de ouro recebidas por pastores indicados por Bolsonaro pra fazerem lobby no Ministério da Educação.

Já Ricardo Salles desmontand­o o Ibama, destruindo a Amazônia e fazendo negócio com madeireiro­s ou as relações da família Bolsonaro com as milícias do Rio nem sequer foram citados. Segundo os postulante­s ao cargo de presidente, condecorar o miliciano Adriano da Nóbrega, segurança de bicheiro e assassino de aluguel, empregar Queiroz, outro miliciano assassino, durante boa parte da vida pública de Jair, são questões menores do que desvios de dinheiro e as patacoadas econômicas da Dilma. A bolsa ou a vida? O rico brasileiro prefere a bolsa.

Digo isso tudo fazendo um recorte bem negativo dos governos petistas, como se tivesse havido apenas corrupção. Claro que houve corrupção, mas em paralelo houve a construção de 18 universida­des, a chegada a elas via cotas, Prouni e Fies de muitos negros e estudantes de escolas públicas. Redução drástica das queimadas na Amazônia. Leis trabalhist­as estendidas às empregadas domésticas. Bolsa Família. Aumento real do salário mínimo. Demarcaçõe­s de terras indígenas e quilombola­s.

“E a corrupção na Petrobras?! E a corrupção na Petrobras?!”, seguem bradando os Luizes Felipes D’ávilas, os Ciros Gomes, os membros da Fiesp, da CNI, os senhores na sauna do clube Pinheiros.

De um lado há um candidato que era presidente à época da corrupção na Petrobras. Do outro há um candidato cujo ídolo, o torturador Carlos Brilhante Ustra, pegou pelas mãos duas crianças de 4 e 5 anos numa manhã da década de 1970 e as levou à sala onde seu pai e sua mãe estavam sendo torturados, nus, sujos de sangue, vômito e urina. A mãe estava toda roxa e a criança mais velha perguntou: “Mamãe, por que você tá azul?”.

Foi para este torturador que Bolsonaro dedicou seu voto no Impeachmen­t da Dilma Rousseff. A obra “A verdade sufocada”, de Ustra, é seu livro de cabeceira. É àquela época que ele pretende nos levar de volta.

Se você ainda acha que mais grave é a corrupção da Petrobras e vai arriscar um segundo turno em que o abjeto golpista pode vencer, eu desisto. Não tenho mais argumentos, apenas o meu assombro e uma tristeza profunda por este país.

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Adams Carvalho

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