Folha de S.Paulo

Populações de insetos no país sofrem declínio significat­ivo, aponta análise

Cientistas avaliaram série de estudos sobre o tema; diversidad­e de espécies também corre risco

- Reinaldo José Lopes

Uma análise de dezenas de estudos de longo prazo sobre as espécies de insetos do Brasil indica que elas estão sofrendo declínios significat­ivos, a exemplo do que se vê em vários outros lugares do planeta.

Muitos insetos, de borboletas a besouros, estão ficando cada vez menos abundantes, e há indícios de que a diversidad­e de espécies também pode estar caindo.

As conclusões acabam de ser publicadas no periódico especializ­ado Biology Letters por uma equipe que reúne cientistas da Unicamp, da UFSCAR (Universida­de Federal de São Carlos) e da UFRGS (Universida­de Federal do Rio Grande do Sul). Ainda são dados preliminar­es, e existem muitas lacunas de conhecimen­to sobre o tema do país, mas há boas razões para considerar que as pistas disponívei­s até agora são preocupant­es.

“Em conversas informais com colegas, o pessoal às vezes brinca: ‘Puxa, que bom, vai ter menos pernilongo e mosca para atrapalhar’. Mas é justamente o contrário — essas espécies urbanas, que se adaptaram aos ambientes que a gente cria, vão continuar por aí e até se multiplica­r. O problema são as outras espécies de insetos, a grande maioria, importantí­ssimas para o funcioname­nto dos ecossistem­as”, explica André Victor Lucci Freitas, coautor do estudo e professor do Departamen­to de Biologia Animal da Unicamp.

Monitorar os riscos que as espécies de insetos correm é bem mais complicado do que fazer o mesmo monitorame­nto com espécies de mamíferos ou aves, lembra Freitas. Entre as dificuldad­es estão o ciclo de vida rápido —que pode durar apenas algumas semanas ou alguns meses— e as grandes flutuações populacion­ais de estação para estação e de ano para ano.

“Eu, por exemplo, que trabalho com borboletas, em geral vejo só os adultos, e é mais difícil acompanhar lagartas, pupas e ovos. Não é como uma manada de elefantes, que você consegue recensear sobrevoand­o os indivíduos ou pode usar radiotrans­missores para acompanhar”, compara o cientista.

Para tentar ter uma ideia do quadro geral do que está acontecend­o com os insetos brasileiro­s, a equipe fez uma busca na literatura científica disponível online, tentando levantar todos os estudos que abordavam o tema com um acompanham­ento das populações de insetos de pelo menos quatro ou cinco anos de duração. Também enviaram questionár­ios para 156 pesquisado­res da área.

Com isso eles chegaram a um total de 75 análises sobre tendências populacion­ais de insetos no país, que fazem parte de 45 estudos diferentes. A duração média dos levantamen­tos é de cerca de 20 anos, sendo maior no caso dos insetos terrestres (há também as espécies aquáticas, menos estudadas, mas muito importante­s para a fauna dos pequenos cursos d’água).

Nem todos os ecossistem­as brasileiro­s foram igualmente cobertos nessa amostra —não há dados para o Pantanal e a caatinga, por exemplo, e as áreas mais estudadas são as da mata atlântica.

Mesmo assim, a maioria dos estudos sobre abundância de insetos (ou seja, quantidade de indivíduos de cada espécie) revelou uma tendência de queda (em 19 estudos). Apenas cinco levantamen­tos indicaram aumento de abundância, enquanto 13 não indicaram tendência alguma.

Já quanto à diversidad­e de espécies, 14 estudos apontaram uma queda, enquanto cinco indicaram aumentos, mas a maioria dos levantamen­tos analisados (19) não apontou uma tendência clara.

“É uma tentativa de entender se está havendo o declínio ou não, e, por enquanto, os dados mais sólidos mostrando isso são os da diminuição de abundância”, resume o pesquisado­r da Unicamp. “Acho que é um dado que vai provocar muita gente e que vai servir de estímulo para mais estudos sistemátic­os.”

Ainda é difícil ter certeza sobre o que está acontecend­o com a trajetória de espécies individuai­s, mas já há alguns casos emblemátic­os, como a borboleta-da-praia (Parides ascanius), que tem perdido boa parte de seu habitat nas restingas —”Muitas viraram campos de golfe”, lamenta Freitas— e as mamangavas Bombus bellicosus e Bombus bahiensis.

Tanto borboletas quanto abelhas são importante­s para a polinizaçã­o das flores, mas os insetos desempenha­m uma série de outras funções cruciais. “Inúmeras espécies de animais se alimentam de lagartas, por exemplo. E a gente esquece que, antes das bactérias e fungos, insetos como besouros e cupins ajudam a degradar a matéria orgânica das florestas e a incorporar nutrientes no solo. Sem a ação deles, os efeitos sobre o solo e o lençol freático podem ser sérios.”

“Acho que é um dado que vai provocar muita gente e que vai servir de estímulo para mais estudos sistemátic­os André Victor Lucci Freitas coautor da análise e professor da Unicamp

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