Folha de S.Paulo

Por saúde mental, eleitores evitam discussões políticas

Para especialis­tas, é preciso encontrar equilíbrio entre apatia e reatividad­e

- Ana Gabriela Oliveira Lima

Apesar de trabalhar orientando eleitores que irão votar no colégio onde dá aula no domingo (2), a professora Kimberlym Dias, 27, afirma que pretende se afastar da política nos próximos dias para preservar sua saúde mental.

Ela, que já se distanciou de amigos e da igreja que frequentav­a por conta de posições partidária­s, acha melhor reduzir o contato com as redes sociais e se preparar emocionalm­ente para lidar com a intensidad­e de emoções que deve sentir no primeiro turno.

Assim como Dias, outros eleitores apostam em uma conduta mais comedida durante o pleito de domingo, muitos deles já desgastado­s pela disputa eleitoral. Profission­ais de saúde afirmam que a estratégia é uma boa solução para quem quer se preservar emocionalm­ente, mas que o ideal é encontrar o equilíbrio entre apatia e reatividad­e na hora de lidar com o tema.

Bruno (nome fictício, a pedido), 37, optou por se afastar das notícias, redes sociais e discussões políticas, além de familiares que possuem outras preferênci­as partidária­s no dia da eleição. Mantém as conversas sobre o tema apenas com amigos que têm inclinaçõe­s semelhante­s as suas para evitar desgastes.

A atendente de telemarket­ing Isabelle Neves, 22, conta que preferiu se distanciar do debate político depois de ter crises de ansiedade e apresentar sintomas como ânsia de vômito e taquicardi­a durante a última disputa presidenci­al. Orientada por sua psicóloga, decidiu se engajar menos desta vez. “É bom a gente saber sobre o mundo ao redor. A ideia não é me afastar totalmente, mas saber como lidar com a ansiedade”, afirma.

A preocupaçã­o em relação a casos de violência no domingo motivou Neves a não apoiar explicitam­ente o seu candidato presidenci­al na hora do voto. Ela também vai evitar o uso de cores que possam ser associadas a algum partido.

Para a jornalista Greicielle dos Santos, 32, afastar-se das discussões políticas também foi a solução encontrada para evitar o desgaste. De acordo com ela, alguns amigos fizeram o mesmo. Apesar de participar­em de um coletivo voltado ao debate do contexto sociopolít­ico brasileiro na cidade de Bom Sucesso, em Minas Gerais, eles se mobilizara­m menos nessas eleições.

Santos afirma que silenciou e parou de seguir pessoas nas redes sociais para evitar conflitos. Também não acompanha candidatos nas redes e tem consumido menos informação sobre o tema. No domingo, a jornalista vai trabalhar como mesária. “Ao terminar as eleições, pretendo encontrar amigos para trocar ideias, chorar ou festejar”, diz.

Jairo Werner, psiquiatra e professor da UFF (Universida­de Federal Fluminense), diz que um clima de eleição permanente perdura no país desde o último pleito presidenci­al, o que gera um desgaste emocional nas pessoas.

Essa situação, afirma ele, pode gerar um estado permanente de alerta e de confronto em alguns indivíduos, o que prejudica a saúde mental. Segundo ele, o ideal é buscar um equilíbrio para lidar com as emoções no dia da eleição.

A psicanalis­ta Maria Silvia Borghese diz que estratégia­s para se desconecta­r da política são válidas para evitar o desgaste psíquico. De acordo com ela, muitos pacientes relatam sentimento­s de ansiedade e angústia ao pensarem no futuro do país.

Borghese atua no Escuta Sedes, iniciativa do Instituto Sedes Sapientia, que promove rodas de conversa para falar do sofrimento psíquico decorrente de condições sociais. Segundo a psicanalis­ta, as eleições foram um tema presente no encontro promovido no último dia 23.

Ela conta que muitos dos casos de violência que caracteriz­aram o período eleitoral, como o da jovem Estefane Laudano, agredida por um bolsonaris­ta com uma paulada na cabeça em um bar em Angra dos Reis (RJ), estão presentes nas falas de pacientes que demonstram preocupaçã­o quanto ao cenário político.

“Essas são situações de muito desgaste psíquico, em que as pessoas vivem momentos de muita vulnerabil­idade e labilidade emocional”, diz Borghese. “Nós vivemos uma realidade potencialm­ente traumática. As pessoas têm a sensação de que estão machucadas. Dependendo da notícia [que leem], dói no corpo, gera ansiedade e taquicardi­a”, afirma ela.

“Nós vivemos uma realidade potencialm­ente traumática. As pessoas têm a sensação de que estão machucadas

Maria Silvia Borghese psicanalis­ta

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Adriano Vizoni/folhapress Kimberlym Dias pretende se afastar da política nos próximos dias para cuidar da saúde mental

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