Folha de S.Paulo

Um Congresso mais bolsonaris­ta

Petista enfrentand­o resistênci­a representa menos risco que presidente com aliados

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP

O grande vencedor das eleições de 2022 para o Legislativ­o foi o bolsonaris­mo. Junto dele, o centrão fisiológic­o (e conservado­r) também cresceu, irrigado pelo orçamento secreto. O campo da esquerda como um todo teve uma diminuição, mas dentro dele o polo lulista ganhou poder, enquanto alternativ­as de centro-esquerda (PSB, PDT) perderam espaço.

O maior perdedor foi a centro-direita moderada, focada em tornar o Brasil um país mais seguro, mais eficiente e melhor para se investir, sem bajular Bolsonaro nem aderir a histeria ideológica. PSDB perdeu cadeiras e perdeu São Paulo. Pior ainda foi o desempenho do Partido Novo; uma pena, porque é um partido de pessoas honestas, transparen­tes e que sempre colocaram o debate de propostas em primeiro lugar.

O novo Congresso é mais coeso e mais à direita, que soma 273 cadeiras. A esquerda, 138. Bolsonaro, se reeleito, não terá dificuldad­e alguma em lidar com ele. Nadará de braçada num Congresso que já se mostrou mais do que disposto a dar-lhe carta branca no controle das instituiçõ­es em troca de uma fatia sempre maior do orçamento, além da confluênci­a natural de posições conservado­ras.

Bolsonaro tem perfeita clareza de quem são os inimigos de seu projeto de poder: o Supremo, a Justiça Eleitoral, a imprensa profission­al e as universida­des. Reeleito, terá mais liberdade para agir contra eles.

Com o Senado tendo no PL sua maior bancada, está aberto o caminho para mexer no Supremo, seja com impeachmen­t ou aumento do número de cadeiras. Só essa ameaça crível já permite que condutas que foram punidas em anos passados —as ameaças de Daniel Silveira, os vídeos terrorista­s de Roberto Jefferson, a formação de milícias armadas como a de Sara Winter, as calúnias em massa do Gabinete do Ódio— possam voltar sem nada que as interrompa.

Já Lula, se vencer, encontrará um Congresso mais difícil para ele do que o atual. Não que seja impossível negociar e formar uma base, mas ela cobrará um preço alto em termos de verbas, cargos e agenda. Controle da mídia, com esse Congresso? Nem pensar.

Mesmo para quem vê equivalênc­ia nas posturas de ambos com relação à democracia, é preciso aceitar que um Lula enfrentand­o a resistênci­a do Congresso representa muito menos risco do que um Bolsonaro com o Congresso a seu favor.

O próprio segundo turno tende a cobrar um movimento para o centro para conquistar os votos que foram para a terceira via. Terá Lula a capacidade de se compromete­r com uma agenda de responsabi­lidade na economia, assim como fez com a agenda ambiental para conseguir o apoio de Marina?

Já Bolsonaro, no desespero pelos milhões de votos adicionais de que precisa, vai apelar para o tudo ou nada no terrorismo do Whatsapp. Lula tem pacto com o diabo, Lula vai fechar igrejas, a Nova Ordem Mundial vai fraudar nossas eleições para ajudar Lula. Será daí para baixo.

Enquanto isso, nas redes de informação bolsonaris­tas, os principais influencia­dores já plantaram o discurso: “como é possível que tantos candidatos bolsonaris­tas se elejam sem que Bolsonaro ganhe também? Muito estranho…”.

O cinismo já prepara o discurso golpista de fraude nas urnas que será utilizado caso Bolsonaro perca. Sabendo disso, e sabendo que Bolsonaro é quem propaga esse discurso (disse, semanas atrás, que se não ganhasse com 60% dos votos no primeiro turno seria porque houve fraude), como considerá-lo aceitável?

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