Folha de S.Paulo

Peso do voto útil no resultado da eleição divide os especialis­tas

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são paulo O voto útil, afinal, impediu uma vitória de Lula já no primeiro turno?

Cientistas políticos ouvidos pela Folha divergem a respeito do peso desse fator no resultado que empurrou a disputa presidenci­al para o segundo turno, em 30 de outubro.

Lula (PT) recebeu 48,43% dos votos, contra 43,20% de Jair Bolsonaro (PT), placar mais apertado do que previam as principais pesquisas. Os votos recebidos pelo petista ficaram dentro da margem indicada, mas os do presidente foram até 8 pontos percentuai­s acima do previsto por alguns institutos na véspera.

As apurações ainda nem haviam terminado e já se levantava a hipótese de que a diferença seria explicada pelo voto útil, quando o eleitor resolve votar não no seu candidato favorito, mas em outro que lhe parece com mais chance de vitória, para impedir que outro nome seja eleito.

Ciro Gomes (PDT) vinha perdendo pontos na semana anterior ao pleito e teve no primeiro turno seu pior resultado em eleição presidenci­al (3%), o que poderia indicar a migração de votos para o presidente.

Essa parece ser uma explicação plausível para alguns analistas. Outros, contudo, dizem ser muito difícil estimar esse tipo de transferên­cia de voto.

No primeiro time, Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da FGV, destacou a surpresa de que os votos de Ciro possam ter beneficiad­o Bolsonaro, e não Lula. Nos últimos dias, petistas encamparam uma ostensiva campanha pelo voto útil, tentando atrair votos de Ciro, para garantir uma vitória em primeiro turno.

As três últimas pesquisas do Datafolha indicavam Lula com 50% dos votos válidos, no limiar de uma vitória direta. Adesões de inúmeros artistas, nomes não alinhados ao PT e mesmo de antigos adversário­s pareciam indicar a concretiza­ção desse objetivo.

Diante da pressão, Ciro leu o que chamou de carta à nação brasileira, dizendo que não desistiria e que o PT havia deflagrado uma “campanha de intimidaçã­o, mentiras e de operações de destruição de imagens” contra ele.

“Mas, ao contrário do que se imaginava, esse voto útil cirista foi para o Bolsonaro, não para Lula”, diz Teixeira. “O Ciro ampliou seus ataques a Lula ao longo da campanha, então o eleitor que resolveu abandonálo migrou para o outro lado.”

Ciro foi ministro da Integração Nacional no primeiro mandato de Lula (2003-2006), mas depois rompeu com o partido. Em 2018, contrariad­o porque o PT não aceitou uma chapa única da esquerda encabeçada por ele, se recusou a apoiar publicamen­te Fernando Haddad (PT) contra Bolsonaro.

Neste ano, empenhado em se posicionar como opositor de Lula, ele subiu o tom das críticas, chamando Lula inúmeras vezes de corrupto. Petistas revidaram com memes retratando-o como aliado de Bolsonaro.

“Assim, houve alguma aglutinaçã­o do eleitorado conservado­r em torno de Ciro, e esse grupo acabou impulsiona­ndo o presidente nas urnas”, diz o cientista político Vinícius Silva Alves. “Ciro desidratou nas urnas, e tudo indica que seus votos beneficiar­am de forma mais acentuada, ou em sua totalidade, Bolsonaro.”

Ele pondera que as pesquisas possam ter sub-representa­do eleitores bolsonaris­tas, mas que houve na primeira etapa um “clima de segundo turno”, centrado em Lula e Bolsonaro. Isso também explicaria a debandada de votos de Ciro.

“Houve alguma aglutinaçã­o do eleitorado conservado­r em torno de Ciro, e esse grupo acabou impulsiona­ndo o presidente nas urnas Vinícius Silva Alves cientista política

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