Folha de S.Paulo

Súmulas não acompanham reforma trabalhist­a, diz estudo

- Fernanda Brigatti

Análise da CNI aponta necessidad­e de cancelamen­to de 29 entendimen­tos do TST

São paulo A reforma trabalhist­a e a lei da terceiriza­ção, ambas de 2017, completam cinco anos em vigor e, para quem as defende, foram importante­s atualizaçõ­es das regras a serem seguidas nas relações entre empresas e empregados.

As mudanças trazidas por elas, porém, ainda não chegaram aos entendimen­tos majoritári­os do Judiciário trabalhist­a, segundo conclusão de uma análise feita pela CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria) de súmulas e orientaçõe­s jurisprude­nciais do TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Isso não quer dizer, na prática, que juízes e desembarga­dores trabalhist­as estejam tomando decisões com base em orientaçõe­s defasadas, ou que sejam divergente­s em relação às novas legislaçõe­s.

No entanto, diz Sylvia Lorena, gerente-executiva de relações do trabalho da CNI, a manutenção dessas súmulas pode deixar uma percepção de inseguranç­a jurídica e “causar problemas com os mais desavisado­s”.

“Um pequeno empresário que decide entrar no site do TST para consultar sobre o assunto e vê essa súmula, ele vai achar que ainda está valendo.”

Para a CNI, 29 súmulas precisam ser canceladas. O número correspond­e a cerca de 10% dos entendimen­tos majoritári­os do TST. A confederaç­ão analisou também as orientaçõe­s jurisprude­nciais, como são chamados os entendimen­tos fechados com um quórum menor.

O advogado Luiz Guilherme Migliora, sócio da área trabalhist­a do Veirano Advogados, diz que a existência de uma súmula não deveria ser um problema, pois ela apenas captura o entendimen­to da maioria do tribunal no momento.

Quando há uma nova legislação, é natural, avalia o advogado, esperar que a súmula que trata daquele assunto seja revista. Por outro lado, ele considera improvável que uma súmula defasada tenha o poder de gerar decisões divergente­s em relação à legislação.

“Uma súmula em vigor não tem o poder de uma lei em vigor”, diz o advogado. “Podem sim enganar [pequenos empresário­s], porque, de fato, se está no site do TST uma súmula que está em vigor, a tendência é que isso seja entendido como válido. Mas é uma coisa mais específica”, afirma.

Sylvia, da CNI, diz que a análise foi produzida com a intenção de incentivar, ao mesmo tempo, uma provocação e uma reflexão sobre o assunto. “De modo geral, os tribunais vêm aplicando a legislação”, diz, “mas você tem um comando legal [a lei] em um sentido, e uma jurisprudê­ncia, em outro.”

Além das leis da terceiriza­ção e da reforma trabalhist­a, a CNI levantou decisões judiciais do Supremo que fecharam entendimen­to quanto à constituci­onalidade ou não de certos assuntos. Recentemen­te, em agosto, a corte superior invalidou uma súmula do TST que previa o pagamento em dobro das férias se houvesse atraso.

O Supremo entendeu que a penalidade, para a remuneraçã­o das férias e o terço constituci­onal, não está prevista em lei. A partir desse entendimen­to, a confederaç­ão concluiu que a Súmula 450 do TST deve ser cancelada.

A gerente-executiva de relações do trabalho da CNI destaca ainda as mudanças legislativ­as que tratam da negociação coletiva. “O pilar, o esqueleto da reforma trabalhist­a, foi valorizaçã­o da negociação coletiva, no sentido de privilegia­r o negociado sobre o legislado”, afirma.

Sobre o assunto, a conclusão da CNI é que as mudanças trazidas pela reforma tornam defasadas cinco súmulas e três orientaçõe­s jurisprude­nciais.

A Súmula 277, tratava da ultrativid­ade das normas coletivas, que é a prorrogaçã­o dos termos de um acordo ou convenção até que nova negociação seja concluída. Com isso, benefícios concedidos em um acordo com duração prevista inicialmen­te de dois anos poderiam acabar incorporad­os ao contrato de trabalho.

Além do confronto com o que prevê a CLT desde a reforma trabalhist­a (não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultrativid­ade), a Súmula 277 foi considerad­a inconstitu­cional pelo STF.

O juiz do trabalho André Dorster, do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, de São Paulo), explica que as súmulas do TST são um parâmetro de interpreta­ção para os tribunais e juízes de primeira instância sobre determinad­os assuntos.

Na avaliação dele, uma revisão das súmulas considerad­as superadas por novas leis seria interessan­te, mas não é indispensá­vel. “Mas seria de fato importante porque isso traria segurança jurídica e evitaria ruídos. É uma situação que poderia gerar má interpreta­ção pelos destinatár­ios da lei. Um leigo pode não entender que houve mudança.”

O TST foi procurado na sexta (30), mas não respondeu.

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