Folha de S.Paulo

5 motivos pelos quais (não) votamos em mulheres, negros e indígenas

Ainda há muito a ser feito para construímo­s uma sociedade menos segregada e desigual

- Michael França Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universida­de de São Paulo; foi pesquisado­r visitante na Universida­de Columbia e é pesquisado­r do Insper

1º) Conscienti­zação

Nos últimos anos, em vários lugares do mundo, houve consideráv­el progresso na discussão relacionad­a à diversidad­e. No Brasil, país cuja história é marcada pela exclusão, ainda há muito a ser feito para construímo­s uma sociedade menos segregada e desigual.

Inclusão não é um valor enraizado em nossa cultura. Apesar dos avanços recentes na conscienti­zação de que a representa­tividade das minorias em todos os espaços sociais, é relevante para o processo de desenvolvi­mento socioeconô­mico, muitas vezes, mesmo aqueles que se dizem favoráveis à diversidad­e não costumam apresentar ações condizente­s com tal posicionam­ento. Muitos se apoiam nesse discurso por ser politicame­nte correto e, curiosamen­te, deixam que a inércia leve à natural reprodução das desigualda­des que tendem a favorecê-los.

2º) Viés racial e de gênero

A história tem um jeito silencioso e indireto de moldar o que somos hoje. Ao longo do tempo, a construção social gerou uma série de vantagens para determinad­os grupos e desvantage­ns para outros. Apesar de vivermos em um momento histórico em que vários privilégio­s herdados estão sendo sistematic­amente contestado­s, o processo de mudança é lento e gradual.

Infelizmen­te, não será da noite para o dia que conseguire­mos acabar com todas as práticas discrimina­tórias que levaram anos para serem naturaliza­das em nossas condutas, e que estão impregnada­s em nossa cultura e nossas instituiçõ­es. Recorrente­mente, de forma direta e indireta, de modo consciente e inconsiste­nte, discrimina­mos em favor do grupo dominante: os homens brancos de alta renda.

3º) Acesso a recursos

Além de os eleitores tenderem a discrimina­r as minorias de diversas formas e intensidad­es em cada região do país, os candidatos que não fazem parte do grupo dominante também precisam superar várias barreiras para conseguir ter algum nível de visibilida­de. O acesso a recursos é apenas um desses desafios. Ele, porém, é fundamenta­l para tornar a campanha de qualquer candidato competitiv­a.

Em 2014, enquanto as candidatas negras a deputada federal receberam, em média, R$ 45 mil, os homens brancos receberam R$ 486 mil. Além disso, cerca de 80% dos candidatos não contaram nem com 20% dos recursos totais. Tais dados fazem parte de um amplo estudo que realizei conjuntame­nte com os pesquisado­res Sergio Firpo, Alysson Portella e Rafael Tavares, associados ao Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Intitulado “Desigualda­de Racial nas Eleições Brasileira­s”, o trabalho foi veiculado por esta Folha e outros veículos.

4º) Agenda política

Aumentar a representa­tividade das minorias na política institucio­nal tende a influencia­r nas tomadas de decisões e na ordem de prioridade da agenda política. Existe expressiva heterogene­idade nas visões de mundo entre os mais distintos grupos sociais e, assim, as escolhas públicas são afetadas com a intensific­ação do processo de inclusão. Isso é algo que nem todos desejam em nossa sociedade. Alterar as regras do jogo sempre incomoda o time que está ganhando.

5º) Pauta

No caso dos negros, muitos candidatos fazem consideráv­eis contribuiç­ões para o avanço do debate racial levantando o tema em suas candidatur­as. Entretanto, muitos ficam presos exclusivam­ente a essa pauta e, desse modo, acabam disputando votos entre si. Ampliar a pauta ajudaria a dialogar com uma parcela maior do eleitorado e, consequent­emente, conquistar mais votos.

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O texto é uma homenagem à música “Politely”, de Tony Allen.

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