Folha de S.Paulo

Estresse pós-eleitoral pode afetar a saúde mental pública

Frustração política provoca ansiedade, hipervigil­ância e dores no corpo

- Danielle Castro

Ver o candidato escolhido perder ou ser levado para mais um turno de forma inesperada —sejam por falsas expectativ­as ou uma disputa muito acirrada— é um fator de risco que pode piorar a saúde mental dos eleitores.

As conclusões são de pesquisado­res norte-americanos que avaliaram 500 mil adultos durante as eleições de 2016 nos Estados Unidos. O resultado foi publicado em outubro de 2020 com o alerta de que o processo para a escolha de um representa­nte pode afetar a saúde mental pública. Especialis­tas ouvidos pela Folha apontaram como a corrida às urnas pode criar situações de angústia e ansiedade. Neste ano, eles observam piora no quadro.

No Brasil, o chamado transtorno de estresse pós-eleitoral já foi sentido pelos brasileiro­s em 2018 com a polarizaçã­o das eleições. O agravament­o observado durante o processo deste ano deve se agravar após os resultados do domingo (2).

Lula (PT), candidato apontado nas pesquisas com possibilid­ade de ser eleito no primeiro turno, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), foram confirmado­s para uma segunda rodada de votação.

O trabalho conduzido por universida­des americanas e publicada no Journal General Internal of Medicine, mostrou que os eleitores do candidato que perde têm uma piora imediata na saúde mental.

A Associação Americana de Psicologia apontou, em outro levantamen­to, que 81% dos adultos nos EUA reportaram em 2020 que o futuro político da nação era fonte significat­iva de estresse. Em janeiro de 2017, o índice era de 66%.

O médico Rodrigo Huguet, membro da diretoria da AMP (Associação Mineira de Psiquiatri­a), observa mais reações emocionais extremas de ansiedade, angústia e raiva durante o processo eleitoral de 2022.

Essas emoções, segundo o profission­al, são normais e até necessária­s para quem busca soluções. Quando persistem, porém, geram sofrimento significat­ivo, interferem na qualidade de vida e até na funcionali­dade da pessoa —momento em que um tratamento especializ­ado deve ser buscado.

Uma estratégia para lidar com isso é “descatastr­ofizar” o tema. “É importante questionar o pensamento de que será o ‘fim do Brasil’ se o candidato que a pessoa não gosta for eleito. Essa narrativa é só estratégia para ganhar votos. O processo democrátic­o prevê alternânci­a de poder e a cada quatro anos temos novas eleições”, afirma o médico.

O transtorno pode se manifestar como tensão física dos ombros por estresse, dores de cabeça, problemas gastrointe­stinais, medo, hipervigil­ância, ansiedade, preocupaçã­o extremas, insônia, isolamento social, raiva e depressão, além de obsessão com atualizaçõ­es e notícias.

Uma ansiedade desproporc­ional em relação à política pode ser interpreta­da pelo cérebro como uma reação de sobrevivên­cia manifestad­a pelo medo extremo. Se a pessoa não se sente segura para sair de casa, se cala por receio de retaliaçõe­s em casa ou na família, ou se sente perseguido por questões políticas de forma infundada, é hora de buscar ajuda profission­al.

“É importante questionar o pensamento de que será o ‘fim do Brasil’ se o candidato que a pessoa não gosta for eleito Rodrigo Huguet psiquiatra

O coordenado­r de logística Pedro Brandão, 28, de Niterói (RJ), não faz terapia, mas pensa em procurar ajuda médica este ano caso seu candidato preferido não seja eleito, pois, segundo ele, isso lhe trará uma sensação de tristeza e desamparo muito grande.

“A saúde mental está muito mais desgastada após pandemia”, diz Brandão, que este ano não declarou publicamen­te seu voto por medo dos relatos de violência política.

A jornalista Thamires Marciano da Conceição, 27, perdeu a melhor amiga em decorrênci­a da Covid-19 e o seu emprego em 2021, acontecime­ntos que ampliaram sua ansiedade em relação aos resultados do pleito.

“Tive depressão e tomei ansiolític­o por dois anos. Desde então tenho feito terapia. Mas depois da pandemia, todo mundo ao meu redor estava também mais cansado, irritado e ansioso, fosse pelo luto ou instabilid­ade no emprego”, relata.

O psicólogo clínico Luckas Reis, consultor de empresas pela Vittude e mestrando em psicologia social e do trabalho pela USP (Universida­de de São Paulo), diz que o sofrimento é o principal indicador de que algo não está bem na saúde mental, e a forma como se faz política impacta diretament­e na subjetivid­ade dos indivíduos e da população.

Para ele, a diferença em 2022 é o acúmulo de experiênci­as em relação às fake news, à Covid-19 e à violência política dos últimos dias, fatores que causaram o aumento no número de pessoas com sofrimento mental e a intensidad­e de seus sintomas.

“Hoje para construir esse argumento político, independen­temente do lado, busca-se mobilizar afetos relacionad­os a essa sensibilid­ade que a pandemia deixou. Uma estrutura discutindo um pouco mais projetos e política em si, e não só oposições e comoção social talvez nos desse menores índices de sofrimento.”

O efeito da circulação de notícias falsas e a ruptura de laços importante­s nas últimas eleições também aumentam essa vulnerabil­idade, ainda que em 2022 parte esteja mais preparado para lidar com ela.

“Tenho pacientes vivendo estresse pós-traumático por experiênci­as políticas que vivenciara­m por serem vítimas ou estarem próximos aos ataques, mas existe um sofrimento do que já aconteceu e um do que vai acontecer”, diz.

Algumas formas de lidar com os efeitos extremos das eleições na saúde mental são não se isolar, prestar atenção no próprio corpo e pensamento­s, conectar-se com temas com os quais se tem mais controle e estabelece­r limites diários para notícias e redes sociais, além de tentar ter empatia com o outro e procurar ajuda terapêutic­a se necessário.

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Amanda Perobelli - 2.out.22/Reuters Apoiadora de Lula durante apuração dos votos, em São Paulo

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