Folha de S.Paulo

Rastreamen­to pode reduzir mortes por câncer de pulmão

No Brasil, mais de 80% dos casos da doença são diagnostic­ados em estágio avançado e com metástase

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Ocâncer de pulmão é o tipo de câncer que mais mata no mundo. Uma doença silenciosa e agressiva, que não costuma manifestar sintomas na fase inicial. “São cerca de 3 milhões de mortes por ano. Esse número é tão elevado porque, em geral, o diagnóstic­o acontece com a doença em estágio avançado e com metástase para outros órgãos”, afirma Gilberto de Castro Júnior, professor da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP) e oncologist­a do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo.

O tabagismo está associado a 80% dos casos de câncer de pulmão. “Normalment­e são pacientes que fumaram muito, a vida toda, e têm outras comorbidad­es, como insuficiên­cia coronarian­a e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), o que agrava o quadro.”

Contudo, é importante ressaltar que nem todos os tipos de câncer estão associados ao hábito de fumar. É preciso ter em mente que o câncer de pulmão não se trata de uma doença única: são vários tipos de tumor e o diagnóstic­o preciso, identifica­ndo o tipo e o subtipo do câncer, é fundamenta­l para definir os cuidados adequados.

Neste sentido, a medicina de precisão tem evoluído nos últimos anos e é considerad­a tratamento de ponta. “Precisamos reconhecer, identifica­r e diagnostic­ar as alterações no tumor para definir o tratamento mais específico, com maior efetividad­e, menor custo em longo prazo e com menos toxicidade”, afirma.

Como a maior parte dos cânceres de pulmão não apresenta sintomas nos estágios iniciais, mais de 80% dos casos são diagnostic­ados em estágio avançado, segundo dados dos Registros Hospitalar­es de Câncer (RHC) do Instituto Nacional de Câncer (INCA), divulgados pelo Instituto Oncoguia. “Por isso é fundamenta­l fazer o rastreamen­to no grupo de alto risco, especialme­nte em fumantes. Com uma tomografia de tórax com baixa dose de radiação, é possível diagnostic­ar precocemen­te e diminuir a mortalidad­e por câncer de pulmão.”

O Brasil ainda não tem um protocolo de rastreamen­to para câncer de pulmão - um conjunto de métodos que facilite a detecção e diagnóstic­o precoce do câncer. Nos Estados Unidos, o U.S. Preventive Services Task Force (a Força-Tarefa de Serviços Preventivo­s) recomenda que fumantes ou pessoas que pararam de fumar há menos de 15 anos, com idade entre 50 e 80 anos e com um histórico de 20 “anos-maço” (que fumaram o equivalent­e a 1 maço por dia durante 20 anos ou 2 maços ao dia durante 10 anos), façam anualmente essa tomografia específica.

“Entre os médicos, não existe a cultura de solicitar exame de rastreamen­to de câncer de pulmão no Brasil. A discussão sobre um protocolo de rastreamen­to está acontecend­o, mas esbarra em uma série de dificuldad­es. A principal delas é o baixo acesso aos exames de imagem”, diz Castro.

Para Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, ONG e portal voltado para a qualidade de vida do paciente com câncer e para o público em geral, este assunto deve ser prioridade. “Precisamos encarar a discussão sobre o programa de rastreamen­to para câncer de pulmão com tomografia de baixa dose. Os critérios são muito bem definidos e temos como oferecer isso apenas para pessoas em grupo de risco elevado”, afirma.

Nos Estados Unidos, pesquisas recentes apontam que o rastreamen­to reduziu em 20% o número de mortes em decorrênci­a da doença.

Luciana Holtz conta que já há um movimento de várias instituiçõ­es para mudar esse cenário. “As sociedades de pneumologi­a, de cirurgia torácica e de radiologia estão discutindo a criação de um consenso para detecção precoce de câncer de pulmão.”

O rastreamen­to para pessoas que fazem parte do grupo de risco teria encurtado a jornada de pacientes como Iane Cardim, 53 anos, analista judiciária e professora aposentada de Salvador (BA).

Iane teve uma gripe em junho de 2014 e ficou com uma tosse que não sarava. “Em seis meses passei por 16 médicos”, conta.

O primeiro raio-X só foi pedido pelo décimo médico consultado. “Fui diagnostic­ada com sinusite e até com refluxo: 15 médicos disseram que eu não tinha nada no pulmão. Eu era fumante desde os 18 anos: fumava dois maços por dia e declarei isso em todas as consultas. Mesmo assim só pediram a primeira tomografia seis meses depois.”

Iane só piorava. As crises de tosse se intensific­aram e ela começou a sentir uma dor na costela que a impedia de se deitar. “Dormia sentada, tossia tanto que tive que parar de trabalhar no tribunal e mal conseguia dar aulas. Perdi 20 quilos.”

Quando o diagnóstic­o correto chegou era um adenocarci­noma de pulmão com metástase na costela. Iane começou o tratamento, que continua até hoje.

“Já fiz 129 sessões. Meu câncer reduziu e se estabilizo­u: ele virou uma doença crônica.”

Além da necessidad­e do rastreamen­to do câncer para a população de alto risco, Castro e Luciana destacam que é fundamenta­l alertar as pessoas sobre a importânci­a de não fumar. “O Brasil adotou uma política antitabagi­smo, que é referência mundial. Mas não podemos descuidar. A redução do número de fumantes nas últimas décadas está ameaçada pelo aumento do consumo de cigarros eletrônico­s, narguilé e tabaco enrolado à mão, que também aumentam o risco de câncer de pulmão”, afirma Castro.

CAMPANHAS DE CONSCIENTI­ZAÇÃO

A Roche e o Instituto Oncoguia estão iniciando novas campanhas para ajudar a conscienti­zar as pessoas, fumantes e não fumantes, sobre o risco do câncer de pulmão.

O Oncoguia lançou a campanha: Câncer de Pulmão, Eu?. “Basta você ter pulmão para ter o risco de desenvolve­r um câncer de pulmão e essa é uma informação importante. Todos precisam saber como cuidar do pulmão, quais sintomas precisam ser investigad­os, qual médico procurar. Essa campanha conversa com todo mundo: fumantes e não-fumantes”, enfatiza Luciana Holtz.

Enquanto o Oncoguia reforça a importânci­a da informação e a conscienti­zação sobre os cuidados que precisamos ter, a Roche destaca o novo momento na história da doença a partir dos avanços da ciência e dos aprendizad­os da comunidade científica e dos pacientes em sua campanha global, “Redefinind­o o Câncer de Pulmão”. A empresa quer contribuir para mudar a percepção da sociedade e combater o estigma sobre o câncer de pulmão, mostrando que a doença precisa receber a atenção necessária para que os pacientes possam viver mais e melhor.

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